Título: Primeiras vezes
Sinopse: — e como Sirius Black proporcionava várias delas.


Era engraçado como podiam existir várias primeiras vezes. E mais engraçado ainda era como as segundas, terceiras ou quartas primeiras vezes podiam ser tão aprazíveis e surpreendentes quanto a real primeira vez. Remus pensava nisso com certo assombro, quando ouviu um par de pés arrastados entrar na cozinha do Largo Grimmauld. Descobriu que ainda podia reconhecer Sirius apenas pelo som que fazia ao andar. Embora não fosse preciso se esforçar muito, uma vez que dividiam a casa sozinhos.

Virou-se para o animago, que estava escorado no batente da porta. Sua expressão de extremo enfado e sono era cômica. Ele ainda resmungava sozinho, ainda tinha a cara amassada e os cabelos ainda se conservavam milagrosamente bem arrumados, mesmo depois de quase doze horas de sono. Ele ainda tinha um terrível mau-humor matinal. E ele ainda sorria mesmo assim quando via Remus.

— Boa-noite. Achei que não ia mais acordar — retribuiu seu sorriso sonolento, e viu como ele ainda tinha aquele costume esquisito de se espreguiçar feito um cachorro.

— Experimente dormir um ano inteiro em uma caverna cheia de poeira e ratos... — grunhiu roucamente, deslocando-se até a mesa e desabando na cadeira —, devo admitir que nunca achei minha cama tão confortável.

Remus não respondeu, porque imaginar Sirius naquela situação não lhe parecia nada divertido, embora o próprio tivesse sorrido após o dito.

— Qual é a ocasião? — ele perguntou quando finalmente se deu conta de que a mesa estava posta. Seus olhos brilharam quando Remus postou um jarro de suco de abóbora bem a sua frente.

— Achei que ia querer comer alguma coisa. Desculpe, não tinham ratos na dispensa — e Sirius riu, servindo suco para ambos, enquanto Remus se sentava a sua frente. — na verdade tinha sim, essa casa está imunda.

Sirius deu-se conta de que estava faminto tanto quanto estava cansado. Poderia passar as próximas doze horas comendo, sem se preocupar pela primeira vez na vida que Monstro pudesse ter envenenado aquele empadão.

Sirius ainda adorava suco de abóbora.

Não era nem de longe a primeira vez que comiam juntos. Mesmo assim Remus observou o animago com pouca discrição, vendo que ele ainda pousava os talheres de modo que faria a velha Walburga fazê-lo engolir um livro sobre etiquetas. Ele ainda tinha mania de misturar comidas que não pareciam ter sido feitas para serem misturadas — e ainda convencia Remus a prová-las, e Remus ainda admitia que era bom.

Era a primeira vez, no entanto, que eles comiam tão quietos. No passado, havia James berrando qualquer coisa sobre Quadribol. Havia Sirius batendo na mesa e derrubando o suco na comida de Peter. Havia Lily brigando com James por ele ter matado aula de Transfiguração na noite passada para treinar. Havia Sirius metendo as mãos no prato de Remus e roubando sua comida quando a mesma sumia magicamente de seu prato — e ele alegava que ainda estava com fome —, e havia todo um ruído familiar de um Salão Principal repleto de possibilidades e promessas.

Agora, por outro lado, havia apenas o tilintar metálico dos talheres. O som de Sirius mastigando e engolindo pedaços tão grandes de carne que Remus jurava que ele ia se entalar a qualquer momento. Ele parecia estar absorto e fascinado por ter tanta fartura à sua frente, e Remus achou que não devia interrompê-lo em seu momento de satisfação. Seus olhos cinzentos ainda brilhavam diante de uma mesa repleta de boa comida.

Sirius ainda achava educado sinalizar que estava satisfeito com um arroto pouco sutil. Remus ainda terminava de comer pelo menos dez minutos antes.

— Você vai ter uma congestão — ele sorriu, erguendo-se da mesa e aproximando-se para recolher o prato vazio do animago. — Satisfeito?

Sirius segurou seu pulso fino, impedindo que o licantropo completasse seu intento. Era a primeira vez que se tocavam tão diretamente depois de todos aqueles anos. Era um toque simples, quase desinteressante, mas ainda dispersava desejos e expectativas erradas.

— Não. — Sirius murmurou, e ergueu os olhos chuvosos.

Encontrou os dourados de Remus. Não era a primeira vez que se olhavam nos olhos. Não, haviam feito aquilo tantas e tantas vezes que eles praticamente decoraram a trama das íris um do outro. Não era a primeira vez que liam-se através do gesto, que as palavras nem ao menos eram proferidas antes que chegassem ao absoluto entendimento. Mas era a primeira vez que se deparava com novas emoções naqueles olhos. Antes era só arrogância, depravação, confiança. Depois veio um pouco de medo, preocupação e receio. Nos finalmentes, Remus via ternura, afeto, amor. Ainda havia tudo aquilo lá, ele encontrou sem dificuldade, mas encoberto por novas sombras com as quais Remus não estava familiarizado. Talvez fosse dor. Muito provavelmente havia pesar. E havia um pedido mudo, uma interrogação sofrida, uma dúvida que estava obviamente corroendo Sirius. Remus sorriu calidamente, e o animago pareceu tomar aquilo como um consentimento. Tracionou o braço do licantropo e o beijou.

O suspiro que escapou dos lábios dele era de alívio. Remus conhecia cada tipo de suspiro de Sirius Black. Dos mais rotineiros e enfadados aos mais íntimos e desesperados. Conhecia o tom de voz dele nos mais variados timbres — embora tivesse demorado um pouco a se acostumar com o tom excessivamente rouco que ele adquirira em Azkaban.

Não era a primeira vez que ouvia aquela mesma voz chamando seu nome.

"Remus..."

Mas era a primeira vez que o simples chamado fez o lobisomem verter em lágrimas, e era a primeira vez que vira Sirius o acompanhar. Não era a primeira vez que choravam um pelo outro, naquele período de treze anos, mas era a primeira vez na vida que tinham a oportunidade de fazer isso juntos.


NA: A ideia original dessa one era fazer um NC-17 bem cheio de amor e lágrimas, mas no meio do caminho eu achei que seria sensato desgraçar com tudo terminar nesse Angst mesmo.