Então... sem explicações. Eu criei, recentemente , uma fixação com contos de fadas ligeiramente diferentes.

Opiniões? Nos reviews.

Xoxo


UM

Então eu estava casada. Há cinco anos?Nossa!Não parecia,o tempo passara tão lentamente que eu sentia como se dez anos houvessem transcorrido.

Sentada no canapé de cetim de damasco laranja,numa sala perfeitamente caiada de creme com janelas emolduradas do mais suave dourado e cortinas do mais caro brocado eu bordava uma singela toalhinha de linho. Folhas verdes,flores amarelas e arabescos cor de vinho e no canto esquerdo o nome da minha filhinha " Magritte".

Minha dama de companhia ressonava tranqüila numa imensa cadeira de couro vermelho e Magritte brincava com suas bonecas no tapete de lã azul a poucos metros de mim.

Era mais um dia quente,o Sol brilhava impiedosamente e o céu estava opaco,como se seu azul houvesse sido queimado pelos raios. As árvores estavam baças e sem vida e os rios rasos e silenciosos por causa da pouca água.

Eu me encontrava sozinha ,o que havia se tornado meu costume,meu marido havia saído para caçar ,o que era seu costume tanto quanto me deixar sozinha. Eu não tinha com quem conversar a não ser meu cachorro , Apfel, o que criou os rumores de que falo com os animais. Quem dera,assim talvez eu não me sentisse tão abandonada. Apfel brincava com um novelo de lã a meus pés,as vezes ele parecia um gato. Gostava de caçar ratos,comer atum e seu latido era tão fino que quase parecia um miado.

Enxuguei uma gota de suor que me escorria pela têmpora esquerda.

"Malditas roupas." Murmurei agitada. Eu era obrigada a usar muitas camadas de roupa desde que havia me casado, no inverno tudo bem,mas no verão aquilo se tornava insuportável. Era o corpinho que me apertava a nuca e comprimia os seios,a chemise que me chegava aos tornozelos feita de seda bordada a ouro,depois o colete acolchoado de lã ,e então o garde-corps que muitas vezes me fazia chegar a beira do colapso por ser tão apertado. Por fim vinha a vasquinha,longa e evasê feita do mais puro linho com bordados intrincados de fios de prata e ouro e por cima a sobreveste,geralmente bordada de rubis que eram a marca do reino de meu marido. Mas eu sempre colocava um broche de esmeralda ,no formato de um besouro com antenas de prata e olhos de diamantes,um presente dos meus sete amigos da floresta antes de eu partir . Os cabelos , agora longos, sempre presos numa apertada trança e depois torcidos num coque pesado,o que sempre me deixava com dor de cabeça ao final do dia.

Respirei fundo e me inclinei por sobre a mesinha de laca , para pegar um copo de cristal que minha dama de companhia havia enchido para mim,antes de cair no sono,com licor de pêssego e leite, na tentativa vã de me refrescar.

Enfadada arremessei meu trabalho manual longe e irritada arranquei as botas de couro e as meias que me pinicavam por causa do calor.

" O que estou fazendo?" Já fazia um certo tempo que me sentia cada vez mais e mais infeliz. Eu não vivia,não podia fazer as coisas que gostava pois tinha de manter as aparências e o comportamento que se era esperado da rainha. Rainha. Eu não passava de um enfeite bonito que meu marido gostava de exibir para seus amigos. Minha vida se resumia a procurar algo adequado para fazer durante o dia,me vestir esplendidamente para os jantares e bailes e as noites esperar para ver se meu marido viria até mim ou não, ele quase nunca vinha. Sempre me perguntei porque.

Nem gerenciar o castelo eu podia,esse serviço não era digno de uma rainha e Gorette,a governanta,já cuidava disso por mim. Nem de minha filha eu podia me encarregar,isso era serviço para ama-seca.

Minha vida era vazia e sem significado. As vezes eu me pegava sonhando com a casa dos meus amigos da floresta onde eu sempre fui de utilidade,ajudava nos serviços de casa e sempre podia ir passear na floresta,visitar seus outros moradores,andar descalço nas folhas secas e deixar meus cabelos soltos. Mas eu era virgem,solteira e não era mãe naquela época.Só as virgens e solteiras podem se dar ao luxo de serem...bem...livres.E eu que sempre achei que as mulheres casadas é que eram livres. Nunca me senti mais presa.

"Majestade." Um lacaio de Wilhelm,meu marido,abriu a porta me chamando. Sua casaca vermelha contrastando violentamente com sua camisa branca e seu rosto de menino escondido por debaixo de um chapéu de veludo com penas. " O rei manda que se vista com primor esta noite ,pois o duque de Watter vem nos visitar."

Assenti.

Era o que eu sempre fazia. Assentir ,sem discordar ou discutir,por mais que eu estivesse incomodada,acalorada,irritada sempre devia assentir e fazer o que me era ordenado. Era o que se esperava de mim,a rainha.

E assim o fiz.

Acordei minha dama de companhia e pedi que levasse Magritte até a ama-seca e depois viesse ter comigo em meus aposentos trazendo água quente. Minha ala no castelo era toda decorada com tapeçarias com motivos naturais,como sereias,unicórnios,elfos,fadas e monstros. Uma cama imensa com dossel,grandes arcas de ébano entalhado e um imenso espelho na parede,espelho que pertencera a minha madrasta. Uma grande bacia de cobre para meu banho e uma caixa de ônix onde guardava meus cosméticos.

Comecei a me despir lentamente em frente ao espelho e quando me vi nua arregalei os olhos. Meu corpo estava tão mudado! Há tempos que não me examinava com cuidado,desde o casamento para ser honesta. Minhas mais ancas estavam mais largas,provavelmente por causa do parto de Magritte,meus seios maiores e ligeiramente caídos,minha pele ainda mais branca do que diziam,minhas veias eram visíveis. Eu não era mais a menina esguia e reta de quando havia me casado,eu era uma mulher,com curvas e ângulos e aquilo me espantou.

Só fui retirada de meu devaneio quando minha dama de companhia adentrou seguida de outras damas carregando jarros de água fumegante. Me escondi atrás da toalha de linho me sentindo levemente envergonhada de ter sido pega me examinando. Após encherem a banheira,minha dama de companhia acrescentou sais de banho na água e me ajudou a lavar meus cabelos com sabão perfumado.

Depois de seca escolhi um vestido de seda vermelha e brincos de rubi e pérolas,um manto de renda bordada de diamantes e uma corrente com uma rosa de safira esculpida.E o broche dos meus amigos anões ,é claro.

Me olhei no espelho uma vez mais antes de sair e subitamente,antes que eu pudesse me controlar eu fiz o que minha madrasta costumava fazer.

"Espelho,espelho meu. Existe alguém mais bonita do que eu?"

"Não. Tu és a mais bela!" Minha dama de companhia arregalou os olhos e fez o sinal da cruz ao ver o rosto fantasmagórico surgir das profundezas enevoadas de vidro.A ignorando ajeitei meu manto e saí pela porta. Ciente dos olhares de cobiça e luxúria que me eram dirigidos pelos homens,mesmo dos servos, e os de inveja e ódio lançados pelas mulheres,mesmo por minha dama de companhia.

No jantar fiquei calada,como sempre,sorrindo apenas quando meu marido me dirigia a palavra e insistia que eu comesse.Não sentia fome,não em bailes e de comidas que de tão luxuosas perdiam o gosto.

Na hora das danças me esquivei de mãos que roçavam ,sem querer,meus seios,coxas e bumbum. Os homens podem ser bem desreipetosos quando querem.

No fim,como sempre acontecia depois desses banquetes,meu marido veio me procurar. Ele era uma boa pessoa,apenas não encontrava interesse maior em mim. Uma vez comecei a perguntar o que ele sentia por mim,porque havia se casado comigo.

"Ora ,era o que esperavam que eu fizesse.Não era o que você esperava de mim?"

"Eu esperava que você me amasse." Respondi com sinceridade.

"Todos temos que aceitar o que a vida nos impõe,ainda mais quando somos príncipes que futuramente se tornarão reis. Assim é a vida."

Naquele dia eu compreendi que ele era tão infeliz quanto eu apenas mais conformado. Entendi que ele também havia sido jogado neste casamento sem ter tempo de avaliar se era isso o que ele realmente queria. Por isso talvez se afundasse na caça como distração,talvez ele até amasse outra pessoa antes de mim e havia sido obrigado a esquecê-la. Eu nunca havia amado ninguém , talvez então ele até fosse mais infeliz que eu.

De noite me acordou com um sorriso e beijou minha boca. Eu sempre fazia o meu melhor para me sentir desejosa,mas sempre falhava. Suas mãos macias ergueram minha camisola,o suficiente para que minhas partes intimas ficassem expostas e entrou em mim com a lentidão de sempre. Eu imaginava que depois de cinco anos a dor iria diminuir ou até mesmo desaparecer,mas não. Era sempre aquela pontada dolorosa no começo e depois o ardor constante até que ele se satisfizesse. Quando terminava ele me dava um beijo na testa e apertava minha mão antes de se virar para o lado e cair no sono. Isso me deixava com uma sensação de vazio e frustração que eu não fazia idéia de como diminuir,o que sempre me levava as lágrimas.

Levantei e depois de me lavar com a água da jarra de porcelana me dirigi a janela e, sentando em sua borda, observei a noite . Milhões de estrelas iluminavam o céu sem lua,o manto negro da noite se estendendo até a floresta e depois mergulhando por detrás dela.O castelo em silêncio.

Toda a extensão de minha vida seria assim. Nada nunca mudaria,talvez eu tivesse mais filhos que também seriam tirados de mim e levados por amas-secas , talvez eu morresse no parto de algum deles,talvez ... Sufocada pelos meus próprios sentimentos e pensamentos conflituosos caí aos prantos sem conseguir respirar.

Acordei no mesmo lugar dia seguinte. Meu marido parecia não ter achado estranho eu preferir dormir no encosto da janela ao invés de a seu lado. Estava estranhamente calma,depois de todo aquele choro minha mente tinha se tornado assustadoramente lúcida. Eu sabia o que tinha de fazer antes de que aquele peso todo me esmagasse. E ia fazer.

Eu ia fugir.