"O que está fazendo acordado a essa hora?" ouvi Marlene perguntar, a voz meio rouca com o sono ainda abafada contra o travesseiro. Ela não se importou que o lençol escorregasse por suas costas nuas no movimento de abraçá-lo, e eu sorri antes de pegar a minha câmera e tirar mais uma foto dela "Ei, isso são cliques?"

Eu ri.

"Você me desenha, eu tiro foto sua" retruquei, divertido, tirando outra. É, ela parecia ser bem fotogênica mesmo com a cara parcialmente amassada e o cabelo parecendo estar sem começo nem fim "Acho uma troca justa"

"Você não tem a menor noção de justiça, Black" ela falou, e parecendo fazer o maior esforço do mundo – como ela sempre fazia ao acordar, o que me dava a impressão de que ela realmente preferiria caminhar para uma forca do que ter que sair da cama – para sentar. Virou-se para mim, passando os dedos pelos fios negros enquanto bocejava "Fiz dois desenhos, e um deles naquele estilo japonês fofinho em uma situação totalmente irreal..."

"Que bom que você acha que eu não vou sentar como um cachorrinho e comer biscoitos em forma de osso"

"...que ficou extremamente fofo" ela continuou, sem nem se importar com o que eu falei "Você já deve ter tirado umas dez minhas, e eu devo estar tudo menos fofa"

"Quem quer fofura quando se pode ser sexy?"

"Você também tem um senso deturpado do que pode te excitar"

"Claro que não. Cabelo bagunçado, maquiagem borrada, mãos segurando o lençol na altura do peito em uma cama bagunçada para um fim libidinoso são extremamente excitantes" disse, levantando a câmera para bater mais uma foto. Ela não colocou a mão no rosto nem se escondeu atrás do travesseiro; ao contrário, riu e fez careta para mim "Até suas caretas me excitam, McKinnon"

Ela riu de novo, mais alto, o corpo caindo até se apoiar na parte de trás da cama. Não se importou que o lençol escorregasse mais por seu corpo, e eu até mesmo diria que seus olhos estavam preguiçosos não fosse o brilho meio lascivo no tom escuro.

"Certo, então. Hora de retribuir" disse, exatamente como se estivesse comentando sobre... qualquer coisa que os ingleses comentassem no tom monótono e entediado de sempre. E, mesmo assim, eu senti que poderia transformar aquele tom de voz em um sussurro apaixonado e quente perto do ouvido "Você tirando fotos me excita"

Sorri.

"O que não quer dizer que eu prefira que você fique aí e não venha para cá"

Mas eu já estava deixando a câmera na mesa e indo em direção à cama.


Entrei no meu escritório, jogando o chaveiro em um dos protótipos de cadeiras que tinha na sala. Era um daqueles em um modelo meio futurista, que a maioria das pessoas estava procurando e desejando e implorando por agora – alguma coisa a ver com apartamentos pequenos e espaço escasso, algo que só era corrigido com formas finas que ajudavam a economizar metros quadrados – e que, consequentemente, dava algumas milhares de libras para qualquer pessoa que conseguisse desenvolver uma para colocar no mercado, ou então qualquer uma que conseguisse sincronizar os móveis vitorianos com o novo século XXI.

Não, não eram muitos. O que realmente me dava um bom dinheiro, o suficiente para reinventar meu apartamento quando eu quisesse, comprar qualquer lançamento de Steve Jobs assim que saísse e poder me dar uma viagem ao ano para o sul da França ou o interior da Itália.

Nada como ser profissional nova no mercado com idéias suficientes.

"Oi, Lene. É a Lily, caso você não reconheça a minha voz mesmo depois de me conhecer a vida inteira" era impressionante como todo e qualquer recado de Lily para mim começava com algo parecido. Era quase como se ela esperasse que eu cometesse alguma falha para posterior chantagem "É só para dizer que eu vou voltar para casa hoje. Claro que eu não sei se você está em casa, mas o amigo do James também não responde e eu tive que fazer uma dedução..."

Eu adorava quando ela fazia deduções erradas.

"... que, claro, pode estar errada. Talvez o Sirius – eu ainda me impressiono com o nome dele, você não? Sei lá, acho que me lembro de quando papai costumava me apontar constelações e falou alguma coisa sobre ser a estrela mais brilhante do céu depois do sol. O que não tem muita lógica, porque o sol não aparece à noite e... estou fugindo do assunto – ahn... onde eu estava? Ah, sim, obrigada, James. Então, talvez o Sirius simplesmente não queira dar aquele dinheiro da aposta do jogo, porque embora James insista em dizer que ele paga tudo direitinho, ele pode não ter 150 libras no bolso e...

Deu o bip do fim do tempo. Algo que era meio óbvio, claro, porque apesar de Lily ser tão ligada quanto eu em novas tecnologias, era quase tão tagarela quando as avós que deixamos em Yorkshire.

"Oiiiii, sou eu de novo. A Lily, caso você... eu sei que eu já falei isso, James, mas... olha, não vou discutir isso com você, ok? Lene, caso você escute algum grunhido de um homem preguiçoso, não dê atenção. É isso que dá não ter horário fixo. São nove da manhã e ele está largado na cama e... tanto faz, você não precisa saber como. A questão é que eu vou voltar para casa hoje. Sabe como é apartamento de homem, não dá para ficar mais de dois dias sem ter um armário completo para escolher a roupa de trabalho e... sim, eu estou há oito. E daí? Se estiver reclamando, eu posso sair agora mesmo e..."

Outro clique.

"Desculpa, eu de novo. Eu só queria saber se você vai estar em casa. É realmente uma pena seu celular estar, aparentemente, sem bateria , porque eu poderia ser muito mais objetiva em uma mensagem, porque eu não teria nenhum James para retrucar. Se não estiver, é só para não levar um susto caso... não, James, não é caso encontre peças derrubadas por causa de sexo selvagem. Você não vai lá para casa depois desse troço dois 'oito dias'. Mas se estiver, Lene..." é, ela sempre fora o tipo de pessoa que conseguia mudar de assunto em meio milésimo. Aquela espécie que até mesmo Hawking teria que se esforçar para acompanhar "é só para que eu não tenha um susto e realmente encontre coisas derrubadas pelo chão. Porque, sinceramente,..."

O recado deveria continuar, mas eu terminei a mensagem porque eu sabia que o resto se estenderia em coisas totalmente repetitivas e totalmente Lilys que me tomariam o resto da tarde. Então, simplesmente joguei minha bolsa em cima da mesa-que-não-era-de-desenho e procurei meu celular no sobretudo, sem achá-lo. Depois, catei-o na bolsa, e por último peguei o telefone anteriormente ocupado pela voz de Lily e disquei para ver se o encontrava.

Claro que eu não me surpreendi quando ouvi a voz de Sirius.

"Black"

"McKinnon" ele deu uma pausa, e eu ouvi o som da TV ao fundo. Esperei um comentário do tipo 'É você ligando para você mesma' o que seria algo idiota o suficiente para me fazer desligar o telefone e algo irônico o bastante para me fazer pensar em como eu achava ironia a coisa mais sexy do mundo "Sentiu falta do seu celular só agora ou acabou de encontrar um telefone?"

Eu sorri, sem responder.

"Aliás, você tem um namorado? Eu estava meio que tentando dormir quando, meio sem querer, atendi seu telefone, e saiu uma voz de homem que não ficou nem um pouco contente quando eu disse que tinha esquecido o celular na minha casa. Mesmo depois que eu disse que era só um cliente que você foi ver e..."

"Eu quase nunca vejo clientes em casa"

"O que quer dizer que você tem um namorado?"

"Não" eu ri ao reparar que ele não tinha um tom ciumento como qualquer outro teria "É meu número particular. Deveria ser só meu pai ou meu irmão mais velho"

Ele assoviou.

"Isso é, definitivamente, pior" brincou "Os homens do seu núcleo familiar ficariam irritados se eu te chamasse aqui de novo para pegar?"

Ri "Possivelmente"

"Bom" eu sabia que viria um tom de voz extremamente divertido e maroto "Adoro perigo. Passe às oito"

Eu não respondi, desligando direto o telefone, um sorriso surgindo em meus lábios quando reparei que Lily havia dito que não conseguira falar comigo no celular. Lembro de tê-lo desligado por volta das sete da noite de ontem, mas não me lembro de tê-lo ligado.

É, ele o fizera por mim. Esperando que eu ligasse.


Desliguei o celular de Marlene e o deixei na mesa de cabeceira, exatamente para substituir o aparelho pela câmera fotográfica. Passei as fotos enquanto andava para o quarto em que as revelava; a primeira, a mais comportada de todos – ela ainda dormia seu sono pesado, o corpo encolhido embaixo do lençol – e a última a mais despreocupada, como se ela realmente não se importasse em ser clicada quase nua e com uma careta divertida no rosto.

Ela era... demais, se eu tivesse que resumir tudo em uma palavra. E foi desde o momento em que eu a conheci, sentada naquele bar perto do estádio do Manchester, puxando o suéter por debaixo da blusa para cobrir as mãos; sem querer parecer clichê ou algo assim, eu percebi que ela... ahn, estava mesmo querendo visitar o banheiro na minha companhia. E, quando eu achava exatamente que ela ia fazer joguinhos e fugir de mim enquanto colocava um cartão com um número de telefone no bolso da frente da minha calça, ela aceitou totalmente meu beijo e ainda fez questão de me puxar pelo casaco sem que eu tivesse que fazer qualquer pressão para isso.

Era óbvio que eu tinha que tirar fotos dela.

Entrando no quarto escuro que eu usava para revelar todas as minhas fotografias – mesmo as de concurso, e mesmo as profissionais-que-tinham-que-medir-dez-metros. Remus, um amigo meu, me dizia que eu era como um vovô que não se acostumava com as coisas novas e queria continuar fazendo tudo em casa, mas eu nem ligava -, retirei o filme da câmera e olhei os negativos, mais uma vez sorrindo ao imaginar como ficariam.

Eu já meio que sabia a resposta.


Saí do metrô e subi correndo as escadas, a tempestade conseguindo me encharcar em dois segundos. O trânsito estava até melhor do que eu achava que estaria - o que, para mim, era pior, já que os carros estavam andando e, provavelmente, não parariam para uma mulher que quer atravessar – e a calçada escura e deserta, de modo que fui tirando os saltos enquanto corria para a rua e para o prédio em que Sirius morava.

Não seria nem preciso dizer que o porteiro – que chegou a esboçar um pedido de dinheiro por segurar o elevador para mim – olhou para mim com a mais feia das caras por ter molhado todo o hall, por molhar o carpete do elevador e por encher de água todo o corredor do andar de Sirius.

"Desculpe por alagar seu apartamento. Realmente espero que esse piso seja daqueles impermeáveis, ou então que você..."

"Você veio andando?"

"Claro que não. Andei por dois minutos, quase fui atropelado por dois carros – como naquele filme da Anne Hathaway, lembra? – e ainda demorou para abrirem o portão do prédio" respondi, indo parar logo em seu banheiro. Entrei no boxe para não fazer muito estrago e torci o cabelo, sem levantar os olhos quando o senti na porta "Foi mal, de verdade"

"Mal?" eu olhei para ele, e ele sorria divertido "Fala sério, você está sexy"

Eu sorri também.

"O que só serve para constatar a minha opinião de que você tem uma noção deturpada do que é sexy" respondi, prendendo o cabelo em um coque apressado. Tirei o sobretudo e o deixei no registro para tirar minha blusa, fazendo-o assoviar com o soutien de renda negra "Pode pegar uma toalha para mim?"

Ele não me respondeu, mas eu o senti se aproximar até que eu pudesse sentir o calor de seu corpo bem próximo do meu. Estava apoiado na bancada de mármore – que, claro, deveria servir de apoio para produtos a serem usados no banho, mas esses estavam todos jogados em algum lugar por ali – que preenchia uma das paredes do boxe, um sorrisinho safado e cafajeste ao levar as mãos até minha cintura.

"Eu precisava mesmo de um banho" disse, as mesmas nuances do sorriso escapando de sua voz "Quente"

Foi a minha vez de ficar quieta, desviando o rosto de sua boca para apoiá-lo em seu ombro. Ele tinha cheiro de sabonete – o que significava, claro, que ele já tinha tomado banho, e seu cabelo não estava molhado por causa da chuva lá fora – e de shampoo, e não pareceu se importar em ter que me abraçar todo molhada.

"Muito quente?"

"Nem tanto pela água"

Eu ri, alto, e me separei um pouco dele, adorando a cara de 'eu-sou-sexy-mesmo-com-cantadas-baratas'. Foi exatamente por isso – ele era o único homem que eu conhecia que fazia brincadeiras de si mesmo – que eu resolvi puxá-lo pelo casaco para lhe beijar a boca, meu corpo cedendo à força de sua mão e só parando quando encontrou a parede aposta.

Eu nem me importei em sentir o pouco de dor ao bater nos registros, e ri com ele depois de soltar meu muxoxo de dor. Ajudei-o a baixar o zíper da minha saia mas, logo depois, deixei-o com todo o trabalho e comecei a tirar sua roupa, minhas mãos correndo por seu corpo e minha boca descendo por seu pescoço e por seu tórax até que tive que me inclinar.

Não, nem tanto pela água.


Mckinnon bocejou contra meu ombro, o rosto ainda suado pressionando meu corpo. Sua respiração, já calma – e eu sabia o quanto ela podia ficar acelerada – arranhava meu pescoço, e suas pernas se misturavam às minhas de um jeito preguiçoso.

"Barulho de chuva é a melhor coisa do mundo" ela murmurou, a voz saindo meio complicada por causa do bocejo "Com cheiro de grama. O que faz de St. James o melhor – talvez único – lugar de Londres bom o suficiente para pegar uma gripe"

Ri, leve.

"Você parece uma menina falando assim. Nada da mulher que é na cama, e nada da mulher que dá a impressão de ser fora dela" porque até eu sabia que não a conhecia o suficiente para dizer qualquer coisa relativa à sua vida fora do meu apartamento ou fora do dela "Você me deu mais surpresas nesses dois meses do que... sei lá, do que..."

"Peguei o que você quer dizer" ela interrompeu ao reparar que eu não conseguia achar um exemplo bom o suficiente. Na realidade, nenhum vinha à minha cabeça "Não é bom com palavras?"

"Por que acha que não...?"

Ela deu de ombros e se afastou um pouco, virando-se na cama até que fosse capaz de fitar o teto. Como sempre, não se preocupou em endireitar o lençol, o que fez meus olhos correram pela lateral nua de seu corpo antes de voltar aos seus olhos.

"Li, uma vez, um livro de Lily que mostrava a evolução da psicologia. Até 1900-e-quase-2000, todos os psicólogos eram orientados a fazerem trabalhos baseados na percepção maior de cada pessoa" ela desviou os olhos para mim "Você deveria ser algo como visão espacial, perspectiva ou alguma coisa assim*"

"Não seria a mesma coisa que você?"

"Eu não desenho paisagens"

"Mas pode desenhá-las" minha vez de dar de ombros "Agora, a minha visão de você é de uma garota apaixonada. Consigo perfeitamente te imaginar em um pôr-do-sol em Veneza, desenhando os barquinhos"

Ela riu "Já foi lá?"

"Não"

"E Paris?"

"Acho que prefiro escalar uma montanha e viajar por Santiago de Compostela do que ter uma tarde romântica na Torre Eiffel" respondi, e ela riu mais uma vez "Ou andar nos tais barquinhos"

"É legal"

"Mas eu gosto é de adrenalina"

"Gostar de Paris e Veneza e Aspen e qualquer outro lugar romântico não quer dizer que eu não goste de adrenalina" Mckinnon retrucou, piscando os olhos. Quando voltou a abri-los, olhava para o teto "Pode escrever, ainda vou entrar para história por ir nadar ao lado de tubarões no Caribe"

"Talvez possa começar com algo menos... radical" peguei uma mecha sua com o indicador, brincando distraidamente com ela e fazendo-a voltar a olhar para mim "Vou ter que voltar a Gales esse final de semana. Vem comigo"

Ela não me respondeu, os olhos escuros parecendo estudar os meus por três segundos antes dela deixar o sorriso vir ao rosto.

"Posso até ir" começou, e eu esperei por mais "Mas, antes, tem que me mostrar as fotos que tirou de mim. Você sabe, não vou gastar dois dias da minha vida por um fotógrafo que não seja capaz de improvisar"

Sorri como ela, meio contido, e me levantei da cama, sem me preocupar em cobrir o corpo. Peguei o envelope que guardara as fotografias – de tamanhos variados, claro, porque algumas mereciam ficar grandes enquanto outras ficariam melhor pequenas para dar o tom que eu queria – e dei na mão dela, jogando-me ao seu lado quando ela se sentou e abriu o papel pardo.

Sem querer parecer convencido, eu também já sabia qual seria sua reação.

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*isso é verdade – siiiim, eu me interesso por essas coisas XD – e está edição extra de um livro cuja sigla é DSM, e indica as medidas de psicologia a serem tomadas. Nesse livro, por exemplo, tem a tese de que as letras de médico são feias não apenas pela pressa, mas porque são obrigados a utilizar demais o lado esquerdo do cérebro – o da raciocínio – em detrimento do lado artístico, o direito.

Então, gente, aqui está o meu prometido Sirius/Marlene. Com um pouco de atraso, claro, porque se tem uma pessoa que se revelou péssima nos prazos fui eu : ( Maaaaaas não se preocupem, saibam que do outro lado do computador tem sempre uma autora tentando manter a ordem com o máximo de esforço. E tenham um pouco de paciência também porque, se tudo der certo, eu vou ter mais ou menos cinco – cinco...! – fics para serem atualizadas de quinze em quinze dias.

E essa daqui, como eu já disse lááááááá no sumário, vai para MR27. Para ela e seu gosto por futebol, para ela e nossas discussões sobre irmãos, para ela e para o maior incentivo para que essa fic saísse do papel. Tenho muito o que agradecer a ela *-*

Beeeeeeijos, e até a próxima *-*

PS: pensem como se fosse um presente de Natal. Reviews?

PPS: sabe, essa fic está um pouco adiantada em relação a Drinks no momento da história. Então, posso pegar um pouquinho da outra para ajudar nessa, e três ou qautro momentos dessa para complementar.

PPPS: está cada vez mais difícil conseguir arrumar um jeito de separar as cenas. Pode ser incapacidade minha, mas eu não consigo mais fazer como há dois minutos fiz com Drinks :/