"Café?"
Arthur cobriu um bocejo com a mão, fechou os olhos com força e balançou levemente a cabeça antes de reabri-los. Passava um pouco das oito da manhã, mas seu organismo ainda pensava no horário de Greenwich e o mandava voltar para a cama imediatamente.
O americano a sua frente não passava por esse problema, logicamente. De fato, considerando sua disposição àquela hora da manhã, Arthur se perguntou brevemente se café seria mesmo a melhor opção para o sistema nervoso de Alfred.
"É, tem uma cafeteria logo no quarteirão de baixo que é muito boa! Eu estava indo pra lá de qualquer jeito, aí eu pensei que você talvez gostaria de vir também, sei lá. Tipo, você não precisa vir se não quiser, seria bem legal se você viesse, mas enfim –"
"Ok."
"Huh?"
"Ok, eu vou. Só me dá uns minutos pra achar uma camisa limpa."
Alfred sorriu e concordou, se apoiando no batente da janela do corredor enquanto Arthur voltava ao apartamento. Esticou o corpo um pouco para fora do prédio, olhando os carros passando na rua como formigas coloridas para passar o tempo.
Arthur, por sua vez, tentava entender a fixação dos americanos por café enquanto procurava o outro pé de seu sapato. Sério, café tem o gosto absolutamente revoltante, e nem chega perto da quantidade de cafeína do chá preto. Ainda assim, era ele perguntar por chá em qualquer restaurante, lanchonete ou mesmo supermercado...
Fiel à sua palavra, o inglês apareceu de novo no corredor em menos de três minutos. Trancou a porta e procurou Alfred, encontrando-o pendurado na janela do corredor do décimo sétimo andar, balançando os pés despreocupadamente. Puxou-o bruscamente pela frente da camisa, gritando algo sobre instintos suicidas e estupidez completa.
"Relaxa, Artie, eu tô inteiro, não tô?" Ele riu, piscando para Arthur como uma criança que acabou de fazer algo muito errado piscaria para seu cúmplice. O problema é que Arthur não se sentia muito cúmplice naquele momento.
"A gente está a mais de quarenta metros do chão, Alfred! Te ocorreu isso? Cair dessa altura na água já te mataria! No asfalto, então, nã—Artie?" Parou, franzindo as sobrancelhas na direção do outro.
"É, diminutivo de Arthur! Ficar chamando você de Arthur o tempo todo parece formal demais. Me lembra aquelas lendas da Távola Redonda, ou aquele cara do Guia do Mochileiro das Galáxias, ou o tio que escreveu Sherlock Holmes... é impressão minha ou todos os ingleses se chamam Arthur?"
Arthur fez a cara mais indignada que conseguiu, pois aquela foi provavelmente a maior estupidez que qualquer um já disse a respeito de seu nome, mas lembrou-se de súbito que já estava indignado com o americano antes, por um motivo mais importante, e a cara indignada foi substituída por pura reprovação.
"Não mude de assunto! Você não ouviu nada do que eu disse?" Cruzou os braços, lembrando Alfred levemente de um professor que tivera na quarta série. Isso o fez rir mais, logicamente, e ele decidiu que já estavam enrolando a tempo demais. Passou um braço pelos ombros do outro e começou a descer as escadas.
"Claro que ouvi, Artie! Acho que metade do prédio ouviu também, hm? Mas uma coisa que você deveria saber..." Olhou com seriedade nos olhos verdes, quase esquecendo por um segundo o que era que Arthur deveria saber. "... eu não faço ideia de quanto sejam quarenta metros."
Algumas ofensas bem-intencionadas, um número correspondente de respostas sarcásticas e diversas expressões faciais depois – Alfred não fazia ideia de que haviam tantas formas de dizer 'você é um idiota' sem falar absolutamente nada – eles chegaram ao café no quarteirão de baixo. Alfred pediu um café espresso tamanho gigante com toda sorte de parafernalha possível e imaginável por cima, de espuma de leite a Nutella, enquanto Arthur pediu chá preto.
"Nem um pouco de açúcar nisso aí?" Alfred perguntou, metade do rosto escondida sob camadas de glicose. "Sério, isso deve ter gosto de água suja ou alguma coisa assim."
Mais uma expressão denotando 'você é um idiota'. O americano decidiu que aquela era uma de suas favoritas, com a boca escondida pela xícara e a pele rosada contrastando com o verde irritado dos olhos.
"Me surpreende que você ainda tenha paladar para julgar alguma coisa, se essa bomba energética for algum tipo de rotina." Arthur olhou para o outro pelo canto dos olhos, rindo baixo da mancha de Nutella no nariz de Alfred. "Eu realmente espero que não seja, porque metade da sua gastrite líquida está espalhada pelo seu rosto."
Ele riu, passando um guardanapo pelo rosto sem muita atenção. "Nah, essa é só para ocasiões especiais."
O inglês revirou os olhos, tomando o papel das mãos do outro. "Sabe, se você prestasse atenção ao que está fazendo, demoraria muito menos." Limpou a mancha facilmente, com cuidado para não esbarrar nos óculos que escorregavam pela ponte do nariz de Alfred. "Pronto."
Alfred piscou, os óculos levemente embaçados novamente tortos sobre as maçãs do rosto. Empurrou a armação de volta ao seu lugar e tentou dizer algo, sendo interrompido por um sorriso meio confuso. Não tímido, jamais, apenas confuso. Terminaram suas bebidas mutuamente repulsivas e voltaram ao prédio, discutindo as origens reais do rock.
"Claramente americano. Chuck Berry é americano, seu argumento é inválido."
"Os Beatles jamais serão um argumento inválido."
"E Elvis? O que tem a dizer sobre ele?"
"Pfft. Um nome no rockabilly não faz dos Estados Unidos o berço do rock, sinto muito."
Alfred riu, ele era engraçado. Não que estivesse certo, porque não estava, mas era engraçado. Pararam no alto das escadas, Arthur buscando as chaves no bolso da jaqueta.
"Bom, obrigado pelo chá." Arthur sorriu, passando a mão pelo cabelo para tirar uma mecha pergiosamente perto de seus olhos. "Foi... divertido."
"Foi mesmo! A gente pode passar lá de novo amanhã, se você não tiver nada pra fazer e tals." Mordeu os lábios, sorrindo de uma forma que ele realmente gostaria de acreditar que não era esperançosa.
O inglês sorriu, os olhos no elevador quebrado. Virou-os para o americano, sorriu um pouco mais e esticou um pouco o corpo para pressionar de leve os lábios nos dele. Se afastou logo, voltou a sorrir e disse um 'seria ótimo' que não foi ouvido por ninguém.
Mas Alfred entendeu a mensagem, de qualquer jeito.
Luluh-chan, a Nutella foi pra você. Não perguntarei.
