Retratação: Yu Yu Hakusho pertence a Yoshihiro Togashi. Esse fanfic tem o único objetivo de divertir.
QUEBRANDO AS REGRAS
Madam Spooky
Capítulo 1
Botan Tanaka debruçou-se sobre os livros de escola e bocejou. Em seu segundo ano no colegial ela ainda se recusava a entender porque era obrigada a estudar álgebra e geometria quando tinha certeza de que não precisaria de nada daquilo em sua carreira futura. Dois anos mais e começaria a estudar artes, história ou literatura. Qualquer coisa que a fizesse discutir muito e calcular nada.
- Você já conseguiu resolver o terceiro problema, Botan? – Yusuke perguntou, desviando o olhar da revista sobre carros que estivera lendo desde que começaram com o grupo de estudos àquela tarde.
Do outro lado da mesa, ignorando completamente sua própria lista de exercícios, Touya rabiscava cifras aparentemente aleatórias em uma folha de caderno.
Botan suspirou. Ter primos visitando durante o verão era um convite para o ócio. Todos os dias Ayame, sua irmã mais velha, os obrigava a se sentarem ali por pelo menos três horas, de maneira a não repetirem o desempenho insatisfatório do ano anterior no próximo semestre, mas apenas ela mostrava um mínimo de interesse em aprender alguma coisa. Yusuke sempre estava lendo qualquer coisa que não tivesse a ver com trabalhos escolares e Touya estava convencido de que era um músico extremamente talentoso e que seu tempo era mais bem empregado desenvolvendo este talento que estudando matérias que de maneira nenhuma entrariam na cabeça dele. Nos últimos dias não falara em outra coisa que não fosse um festival em Kyoto, no qual inscrevera sua banda, Os Shinobi, mas tanto Ayame quanto o marido dela, Koenma, tinham-no ignorado completamente quando falara a respeito. Isso, porém, não fora o bastante para desencoraja-lo. Botan desconfiava que ele passasse a maior parte do dia pensando em alguma maneira de escapar para Kyoto por conta própria.
- Não, Yusuke, a resposta está incorreta. Não consigo resolver isso de jeito nenhum – a garota respondeu exasperadamente. Já era a terceira vez que recalculava uma equação, mas o resultado sempre acabava completamente diferente daquele no livro. Não que ela estivesse muito preocupada com isso. – Se está tão interessado em terminar esse problema, deveria me ajudar.
Yusuke balançou a cabeça e riu como se estivesse acabado de escutar a coisa mais absurda do mundo. Botan suspirou novamente. De certa forma ele tinha razão. Yusuke Urameshi resolvendo um problema de matemática. Eles veriam Touya desistindo da banda antes que isso acontecesse.
Os três ficaram em silêncio, cada um se concentrando no que estava fazendo. Botan não esperou muito tempo antes de soltar o lápis e deixar as equações de lado. Não era da natureza dela ficar quieta por mais de cinco minutos. Bateu os dedos ruidosamente sobre a mesa, pensando se deveria fechar ou não os livros e encerrar aquela seção inútil. Acabou decidindo que não. Se Ayame ou Koenma passassem por ali e vissem que não estavam fazendo nada útil, teriam que ouvir um longo discurso sobre o esforço necessário para se chegar a ser alguém na vida e assim por diante.
- Então... – Botan começou, ansiosa por quebrar o silêncio. – O que vocês vão fazer depois do verão?
Touya nem se deu ao trabalho de olhar para ela. Apenas deu de ombros e falou um indiferente "você já sabe". Yusuke por sua vez, largou a revista e cruzou os braços atrás da cabeça, fazendo uma carranca.
- Minha mãe vai me mandar para aquele estúpido colégio interno fora da cidade – bufou, irritado. – Só por causa de uma ou duas briguinhas... Como se ela não brigasse com as amigas por qualquer bobagem.
- Eu estou seguro que a sua mãe não enche as amigas dela de socos – disse Botan. – Acho que esse colégio vai fazer bem a você. Talvez até aprenda a fazer os malditos cálculos ao invés de ficar sempre esperando por mim.
Yusuke pareceu prestes a se irritar, mas então sorriu maliciosamente:
- Quando eu voltar dessa escola vou estar fazendo cálculos de cabeça. Você sabe muito bem que sou mais inteligente que você. Se eu não estudo é porque tenho coisas mais importantes para fazer.
- Como matar aula para ficar dormindo embaixo das árvores no pátio e se meter em brigas com gangues de outras escolas? Eu estou surpresa que a sua mãe não vai manda-lo para um reformatório.
O comentário não fez Yusuke se alterar. Na verdade o tal colégio bem podia ser chamado de reformatório. Era cercado de muros altos, dirigido por pessoas sorridentes demais para serem normais – a única vez que ele estivera lá, eles lhe deram a impressão de parecerem mais enfermeiros de um hospital psiquiátrico, desses que aparecem nos filmes de terror, que professores. Além de toda a segurança de presídio, havia a pior parte, algo realmente horrível: era um colégio exclusivo para homens.
- Atsuko está querendo é se livrar de mim por uns tempos. Acho que cansou de ser chamada no colégio. Ou talvez tenha arrumado algum namorado novo.
- Quero ver como você vai se virar por lá... – Botan riu, brincando com o lápis e olhando distraidamente para um canto qualquer da sala.
- Eu já disse que não sou você, vou tirar de letra.
- Ah, não seja idiota. Eu poderia passar de ano nesse colégio com as mãos amarradas! – ela exclamou, começando a se impacientar. Se havia algo que não admitia era Yusuke querer passar por mais inteligente do que ela. Logo ele, o garoto que conseguiu ficar em recuperação em economia doméstica, trabalhos manuais e educação física no mesmo semestre.
- Claro que não. Você é uma garota. Nenhuma garota aguentaria o tranco. Se não fosse um lugar terrível, você acha que Atsuko ia me mandar para lá? – ele riu daquela forma debochada que ela achava irritante.
- Eu estou dizendo que me sairia muito melhor que você!
Dessa vez ela elevou a voz e Touya deixou cair as cifras em cima da mesa, revirando os olhos. Era impossível se concentrar quando aqueles dois começavam a discutir sobre alguma bobagem.
- É uma discussão inútil – ele disse. – Todo mundo sabe que ainda está para nascer o professor capaz de fazer Yusuke estudar. Quanto a você, Botan, não ia poder provar o que está dizendo de qualquer maneira, o colégio Meiouh é exclusivo para garotos.
Os dois encararam Touya, surpresos que ele soubesse alguma coisa sobre aquilo. Foi Yusuke quem perguntou:
- Eu posso saber como você está sabendo tanto sobre esse colégio?
Touya ergueu uma sobrancelha, parecendo se lembrar de que não falara nada antes com os primos sobre aquele pequeno detalhe.
- Eu não sei o que a sua mãe andou conversando com a minha, mas ela acha que eu estou precisando de um corretivo. Então me matriculou no tal colégio também.
- Então dentro de uma semana, estaremos os dois lá? – Yusuke sorriu, satisfeito de que ao menos veria um rosto familiar durante a estadia.
- Não se eu puder evitar – Touya sorriu significativamente.
Botan e Yusuke olharam para o primo de maneira interrogativa, ambos inconscientemente aproximando o rosto dele.
- Eu já falei sobre a minha banda, Os Shinobi, não é?
- Um milhão de vezes – Botan e Yusuke responderam ao mesmo tempo, nenhum dos dois muito ansiosos em ouvir novamente sobre como eles eram bons e como dentro de um ano estariam no topo das paradas de todo o país.
- Em três meses haverá o grande festival de Kyoto. É muito pouco tempo para ensaiar, mas nós precisamos estar lá de qualquer maneira.
Touya abriu o livro de matemática a sua frente e tirou de dentro um cartaz amassado. Havia a figura de uma guitarra desenhada na frente com o slogan em letras garrafais: PRIMEIRO FESTIVAL DE ROCK DE KYOTO PARA NOVOS TALENTOS. Ele passou o cartaz para Yusuke que deu uma rápida olhada e entregou a Botan.
- Por isso eu não tenho tempo para escola semestre que vem – Touya continuou. – Shishiwakamaru, Jin e Suzuki estão contando comigo. Nós vamos ser famosos e nunca mais precisaremos ver uma equação na vida!
- Isso tudo parece ser muito legal – disse Botan. Ela gostava de bandas colegiais, apesar de nunca ter ouvido Os Shinobi tocar. E pelas letras de músicas que já vira o primo rascunhando, achava que o mais prudente de sua parte era continuar não ouvindo –, mas como é que você pretende fazer com que Ayame e Koenma te deixem ir para Kyoto? Eu tenho certeza que eles te levam amarrado para o colégio antes disso.
Yusuke balançou a cabeça afirmativamente do outro lado. Pensando bem, talvez fosse uma boa Touya escapar. Assim não teria que passar os próximos seis meses ouvindo-o lamentar como sua maravilhosa banda teria feito sucesso se os adultos tivessem entendido sua genialidade.
- Eu ainda não sei como – disse Touya. – Mas vocês podem escrever que eu estarei em Kyoto para esse festival e eu quero ver a sua irmã Ayame ou o seu cunhado maluco Koenma me impedirem de fazer isso.
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Uma coisa Botan tinha que concordar com Touya: seu cunhado Koenma não podia ser muito normal. Agora mesmo, durante o jantar, ele estava rindo como se tivesse bebido duas garrafas de saquê e contando uma história estúpida sobre como fora o primeiro a terminar de carimbar todos os papéis no escritório, ganhando de seu rival do escritório ao lado por uma margem de 5,45 segundos. Ela não se surpreenderia se ele realmente tivesse cronometrado.
- Então, o que vocês aprenderam hoje, crianças? – Ayame sorriu, mas o olhar dela dizia "é bom que tenham aprendido alguma coisa se não quiserem ouvir um longo discurso sobre responsabilidade antes de ir para a cama".
Yusuke resmungou qualquer coisa sobre a injustiça de ter que estudar durante as férias, mas se a esposa de Koenma ou o próprio ouviram resolveram ignora-lo.
Botan abriu a boca para responder algo sobre as equações, mas Touya a interrompeu:
- Ayame, você não vai mesmo me deixar ir para Kyoto? Mesmo sendo uma oportunidade única para a minha banda?
Koenma engoliu um pedaço de carne com dificuldade. A expressão dele dizia claramente que já estava cheio de ouvir falar naquele assunto. E quem o culpava? Todos ali colocariam um esparadrapo na boca do garoto de boa vontade se não soubessem que ele continuaria falando da banda através de sinais.
- Não, Touya. Você estará naquele colégio dentro de uma semana ou eu terei que telefonar para sua mãe e falar que essa sua fixação pela banda está dificultando sua vida acadêmica. Nós não estaremos aqui – Ayame olhou para o marido com um olhar terno –, mas telefonaremos todas as semanas para perguntar sobre seu desempenho.
Touya encolheu-se na cadeira e Botan ergueu-se, sobressaltada.
- Como assim não estarão aqui?
Ayame deu uma risadinha.
- Ah, claro, eu me esqueci de falar para vocês – ela segurou a mão de Koenma e ele a apertou dentro da dele, como se dando consentimento para que ela continuasse. – Como vocês sabem, Koenma e eu nos casamos faz pouco tempo...
Como eu poderia esquecer, Botan pensou. Ayame tinha ficado duas vezes mais exigente desde que ela e Koenma se casaram. E pensar que ela dera tanta força com o noivado dos dois, imaginando que assim a irmã teria mais o que fazer que ficar prestando atenção nas suas coisas o tempo todo... Infelizmente, o casal feliz resolvera começar a treinar essa coisa de responsabilidade para quando tivessem filhos ou algo assim, e estavam usando ela e os primos como cobaias.
- Nós não tivemos lua de mel quando casamos; o trabalho de Koenma não permitiu – o rapaz de cabelos e olhos castanhos estufou o peito orgulhosamente ao ouvir a esposa citar seu trabalho. Yusuke e Botan trocaram um olhar, contendo o riso. – Agora o chefe dele resolveu conceder umas férias e nós passaremos alguns meses em Hong Kong, não é maravilhoso?
Botan pode ver os sorrisos aparecerem nos lábios de Yusuke e Touya antes que os dois se desfizessem em felicitações.
- Quando foi que vocês decidiram isso? – perguntou a garota. Ayame e Koenma estavam sempre decidindo coisas sem perguntar a opinião dela primeiro, mas dessa vez era algo grande. Se eles iam viajar por alguns meses, isso queria dizer que ela ficaria sozinha? Um sorriso espalhou-se por seus lábios só para morrer assim que a irmã continuou falando:
- Botan, eu pedi a senhora Watanabe para ficar com você enquanto estivermos fora e ela foi muito gentil em concordar.
A garota cruzou os braços. Yoko Watanabe era uma mulher se seus sessenta anos, viúva, que vivia do outro lado da rua com uma dúzia de gatos e um pastor alemão dorminhoco. Ela adorava organizar trabalhos manuais e geralmente ficava nervosa e reclamanva de palpitações quando Botan não conseguia realizar nenhum deles. Sempre fora péssima em trabalhos manuais, mal ficando na média no colégio todos os anos. Além disso, a senhora Watanabi tinha um cheiro esquisito. Talvez fosse por causa dos gatos, talvez por causa dos perfumes caseiros que ela vivia inventando e testando em si mesma.
- Nós infelizmente não estaremos aqui para nos despedir de vocês semana que vem – disse Koenma. Trocou um olhar afetuoso com Ayame, do tipo que fazia Yusuke fingir que ia vomitar. – De qualquer maneira, tenho certeza de que ficarão bem. Já sabem, não é? Saiam um passo da linha e nós voltaremos correndo.
Nem Yusuke e muito menos Touya se intimidaram com a ameaça. Os dois continuaram sorrindo abobalhadamente enquanto tudo o que Botan desejava naquele momento era ser engolida pela terra, de preferência para sempre.
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Uma semana passou voando, entre seções de estudos, onde se fazia tudo menos estudar, e Touya falando ainda mais animadamente sobre sua maravilhosa banda de rock. Yusuke tinha estado especialmente insuportável lembrando Botan em todas as oportunidades como ela estaria sob o jugo de uma velha viúva maluca adoradora de gatos enquanto ele ia se divertir desafiando as normas de um colégio que realmente tentaria dificultar a vida dele.
As malas de Ayame e Koenma estavam dispostas organizadamente no meio da sala e os dois folheavam um guia de viagens enquanto Yusuke e Botan discutiam pela mesma coisa no que deveria ser a terceira vez apenas naquele dia, e ainda nem eram nove da manhã.
- Eu poderia passar muito mais que meio ano no seu estúpido colégio, Yusuke!
- Então por que você não me prova?
- Porque é um estúpido colégio apenas para homens!
- Então eu não tenho que acreditar – ele sorriu debochadamente. Um sorriso que estava ficando frequente demais na opinião de Botan.
- Eu estou falando, você devia só acreditar e deixar de ser um idiota!
Yusuke ia responder, mas o barulho de uma buzina no lado de fora os interrompeu.
- É o táxi!
Koenma correu para fora com duas das malas menores enquanto gritava para o motorista vir ajudar. Ayame aproveitou para encarar os dois jovens à frente e começar a dar suas recomendações.
- Yusuke, sua mãe virá pegar você mais tarde para levá-lo ao colégio. Comporte-se, é sua última chance de se dedicar aos estudos. Se esse colégio não der um jeito em você, nenhum outro dará.
O garoto sorriu de uma madeira absolutamente inocente e Ayame pareceu dar-se por satisfeita.
- Quanto a você, Botan, a senhora Watanabe virá à noite, depois do programa de culinária favorito dela. Seja gentil e – acrescentou com um olhar duro – de maneira alguma diga que ela cheira mal!
Botan tentou imitar o sorriso inocente de Yusuke, mas tudo o que conseguiu foi esticar os lábios pateticamente.
Felizmente, nesse instante, Touya apareceu na sala, como sempre segurando seu caderno de letras e cifras e cantarolando qualquer coisa ininteligível.
- Touya, você estará partindo amanhã de manhã. Lembre-se que tem que ir buscar as fotografias antes de pegar o ônibus – Ayame revirou os olhos. – Não acredito que sua mãe esqueceu as fotografias... – ela já ia sair quando voltou novamente para acrescentar:
– E lembre-se também que eu estarei telefonando para saber se você chegou ao colégio! Qualquer coisa...
- Sim, certo, você estará de volta – completou Touya, entediado. Sorriu antes de dizer: – Não se preocupe, Ayame, eu estarei na escola. Estou ciente de que nunca serei alguém na vida se não estudar, me formar, aprender todas aquelas fórmulas matemáticas...
- Vamos logo, Ayame, o avião vai partir em uma hora! – Koenma gritou da porta do táxi.
Ayame sorriu incerta para Touya, sem tempo de suspeitar da resposta dele, então deu um beijo em cada um dos três e correu na direção do marido. Menos de dois minutos depois, o carro desaparecia no final da rua e os primos se viam completamente sozinhos.
Botan fechou a porta e olhou para Touya:
- Muito bem, o que foi que você bebeu?
- Está dizendo por causa da minha resposta para Ayame?
- Isso.
- Eu só estava tentando despacha-la o mais rápido possível, ora essa.
Ele voltou para dentro, cantarolando a mesma música – ou barulho, dependia do gosto do ouvinte – e com uma expressão de quem estava planejando alguma coisa.
- Escreva o que eu vou dizer – disse Yusuke. – Eu duvido que esse cara vá pisar a menos de dois metros do colégio.
- E a mãe dele vai adorar ir até Kyoto busca-lo quando descobrir... – respondeu Botan, deixando-se cair preguiçosamente no sofá.
Yusuke deu de ombros.
- Eu mesmo fugiria do colégio se tivesse a chance.
- Claro, você sabe a dificuldade que vai passar estudando lá – Botan sorriu, recomeçando a discussão.
- Nem metade do que você passaria!
- Idiota!
- Chata!
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Assim como ficou combinado, Atsuko foi buscar Yusuke no final da tarde. O garoto foi embora muito a contragosto, ouvindo a mãe reclamando sobre como ele não precisaria estar indo para um colégio interno se tivesse tomado um rumo na vida quando teve a chance. Ele ouviu em silêncio, limitando-se a mover os lábios na direção de Botan, provocando até o último instante.
Quando o carro de Atsuko – que mais parecia um pedaço de sucata sem pintura – foi embora, Botan soube que agora tudo o que podia fazer era se sentar no sofá da sala e esperar que a senhora Watanabi aparecesse para começar a seção de tortura com lã e sucata. Isso e torcer para que Touya estivesse ocupado demais queimando os neurônios sobre como escapar para Kyoto para pensar em aborrecê-la. Se viesse falar mais uma vez de Os Shinobi, ela acabaria tendo que bater nele.
Esperou durante vinte, trinta, quarenta minutos, tanto que acabou dormindo. Acordou subitamente com o som estridente do telefone duas horas depois. A casa estava silenciosa e o céu começava a escurecer lá fora. Talvez fosse Ayame ao telefone, pensou. Era bem a cara da irmã se esquecer de recomendar alguma coisa e pagar uma fortuna para fazer uma ligação de dentro do avião.
Levantou-se para pegar o aparelho quando Touya apareceu correndo, vestido apenas com a calça do pijama e com uma toalha cobrindo o cabelo molhado.
- Eu atendo! Eu atendo! Eu atendo! – ele gritou. – Devem ser um dos Shinobi para saber que horas podem ir me pegar na rodoviária de Kyoto.
Botan girou os olhos e foi para a cozinha, apenas escutando quando ele dizia "alô". Se realmente fosse um dos amigos dele, era melhor ficar bem longe se não quisesse passar o resto da noite ouvindo as fantásticas novidades sobre a banda, como Shishiwakamaru tinha adorado a nova letra ou pior ainda, talvez ele até quisesse que ela opinasse sobre alguma música.
Instantes depois, Touya apareceu, parecendo decepcionado.
- Não era para você?
- Ah, não – disse ele, sentando-se na mesa e pegando uma maçã na fruteira. – Era só a tal senhora Watanabe.
- Senhora Watanabe!? E posso saber por que você não me chamou?
- Vê se não reclama, eu te fiz um favor – ele disse, mordendo a maçã. Era incrível como Touya estava sempre parecendo calmo, até mesmo se estivesse irritado.
- Favor? – Botan perguntou, cuidadosamente, já com medo da resposta.
- Ela queria que eu desse um recado para Ayame. Parece que um dos gatos dela está com problema de coração, você acredita nisso? – ele deu risada. – Ela está levando o gato para Osaka e vai ficar na casa de uns parentes até o bichano se recuperar. Eu tinha que dizer a Ayame que ela não vai poder cuidar de você.
Botan enrijeceu. Não sabia se abraçava Touya ou se batia nele. Tudo o que conseguiu foi articular uma frase que soou extremamente tola:
- Mas Ayame acabou de viajar...
Touya sorriu.
- Mas a senhora Watanabe não sabe disso.
- E por que você não disse a ela?
Pela expressão radiante no rosto do garoto, ele estava pensando em alguma coisa e não era em lhe fazer um favor. Yusuke era um idiota, mas podia esperar aquele tipo de coisa dele. Quanto a Touya, este nunca agia a favor de ninguém sem que pudesse tirar proveito de alguma forma. Como quando ela tinha roubado uma caixa de chocolates com licor que Koenma trouxera para casa duas semanas antes e ele não a dedurara com a condição de que lhe desse a metade.
- Ela não perguntou – ele respondeu, e continuou comendo a maçã alegremente. Botan não se convenceu. Era melhor tirar tudo a limpo e evitar surpresas. Ela arrancou a maçã da mão dele e o encarou.
- Ei, me devolve isso! – ele protestou.
- Não até você falar exatamente por que mentiu para a senhora Watanabi. Eu te conheço, garoto, você não é de fazer favores.
Touya desfez a carranca de protesto e sorriu. Botan estava ficando esperta.
- Assim você me deixa magoado, Botan. Eu não posso fazer um favor para minha querida prima?
Ele estendeu a mão para pegar a maçã de volta, mas a garota a afastou ainda mais.
- Resposta errada.
- Bom... – disse Touya. – Eu deveria dizer que você pode acreditar no que quiser e que eu não estou nem ai, mas é melhor conversarmos agora. Amanhã de manhã eu tenho que me virar em dois para te levar até um fotógrafo e pegar o ônibus para Kyoto antes das dez. Ainda bem que não tenho muitas malas...
- Fotógrafo?
- Sim. A minha mãe exige fotos da melhor qualidade, mas é bobagem dela. No colégio eles só pedem daquelas fotos três por quatro e nada além. Aquelas fotografias que saem na hora servem com perfeição.
- Você vai tirar outras fotos? – Botan não estava entendendo onde ele queria chegar. – Por que eu tenho que ir junto com você?
- Porque você vai tirar as fotos, ora.
- Mas eu não sei fotografar...
Touya bateu com a mão na testa. Santa inocência.
- Será que eu vou ter que escrever em um quadro negro e esfregar a sua cara no giz para fazê-la entender?
Botan ia reclamar da pergunta, mas ele não lhe deu tempo:
- Você quer provar para Yusuke que pode se sair bem naquele colégio idiota, não é verdade? E eu quero ir para Kyoto participar do festival com os outros caras. Ninguém no colégio sabe como eu sou porque as fotografias não saíram a tempo. Entende onde eu quero chegar?
Por quase cinco minutos, Botan ficou encarando o primo com a boca aberta, se perguntando se ele tinha ideia do que acabara de sugerir.
- Você sabe que eu e Yusuke estávamos apenas procurando motivo para brigar, não sabe? – ela perguntou, finalmente. – Quer dizer, nós não somos nós se não estivermos brigando...
- E daí? Eu gostei da ideia.
- Eu não posso ir para o colégio interno no seu lugar!
- Por que não?
- É um colégio para garotos!
- E daí?
- Está insinuando que eu pareço um garoto?
- Com o corte de cabelo certo e algumas das minhas roupas, por que não?
Botan sentou-se à mesa, na frente dele, pensando sobre aquilo. Touya aproveitou e pegou a maçã de volta, voltando a comê-la como se não tivesse acabado de sugerir a sua prima que se fizesse passar por ele em um colégio para homens.
- Eu tenho certeza de que você ia adorar ver a cara chocada do Yusuke quando te visse entrando na sala. Até eu gostaria de ver isso – disse Touya.
Botan inclinou a cabeça e deu um meio sorriso.
- E ainda mais quando começasse a tirar notas superiores às dele.
Ela exibiu um sorriso completo.
- E quando ele começasse a te implorar por ajuda para passar...
O sorriso alargou.
- E, claro, você odiaria se eu tivesse que telefonar para Ayame avisando que a senhora Watanabi não pode vir e que ela precisa voltar imediatamente.
O sorriso apagou-se completamente.
- Seis meses ouvindo Ayame reclamar sobre o azar que tinham dado e como Koenma não ia conseguir outras férias como essas por um longo tempo...
- Chega! – Botan gritou. – Eu já entendi.
- E o que me diz? – Touya terminou a maçã e pegou uma segunda. Parecia extremamente à vontade com a situação.
Quanto a Botan, na mente dela duas escolhas se chocavam. Ela sempre fora uma garota que não tinha medo de uma aventura. Entrar em um colégio para garotos, disfarçada como um, seria no mínimo emocionante. Sem mencionar que Touya tinha razão ao dizer que a expressão de Yusuke quando a visse seria impagável. O único problema era que quando Ayame e Koenma ficassem sabendo... Ela poderia dar adeus à cabeça dela. Por outro lado, se eles voltassem menos de vinte e quatro horas depois de estarem lá, ia ter que conviver com o mau humor de ambos pelos próximos seis meses.
- Eu sei o que está pensando, Botan – disse Touya. – Está com medo de quando Ayame e Koenma descobrirem, não é? Bom, levando em conta que minha mãe só ia me deixar no colégio por seis meses, acho que eles não precisam ficar sabendo.
- Mas e quanto ao meu colégio? Eles iam saber que eu não estou aqui.
- Eu peço a Suzuki para colocar você em um programa de intercâmbio assim que chegar a Kyoto.
- Mas eu não me inscrevi em nenhum programa de intercâmbio.
- Não é o que dirá o computador do colégio.
Touya sorriu ao constatar que Botan não tinha mais argumentos. Ela parecia desolada com a ideia, mas excitada ao mesmo tempo.
- Eu preciso ficar lá o semestre inteiro?
- Sim, você precisa. Não posso aparecer daqui a três meses do nada, não é? Eles iam desconfiar.
- Não, Touya, isso não vai dar certo.
- E por que não? – ele franziu a testa. Tinha certeza de que ela aceitaria. O que poderia estar pensando agora?
- Por que eu sou uma garota.
Botan se levantou da mesa e fez menção de ir para o quarto. Ainda ouviu Touya gritar "eu vou telefonar para Ayame agora mesmo", mas se forçou a andar ainda mais depressa gritando de volta um irritado "eu não estou ouvindo". O primo estava ficando completamente louco, ainda mais se achava que ela cederia a sua chantagem. Seria um inferno se ele ligasse realmente para a irmã e o marido dela, mas, paciência, ela sobreviveria. A isso e também a não ver o choque no rosto de Yusuke. Seria divertido, claro, mas e daí?
- Droga! – disse Botan em voz alta.
Ela realmente queria fazer aquilo.
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- Eu não acredito que a mulher do balcão deu em cima de você.
Botan também não acreditava.
Depois de uma discussão sobre quanto do cabelo dela Touya podia cortar e do estado de higiene das roupas dele, ela acabara vestindo uma de suas calças jeans completamente picotadas (segundo ele, legítimas calças de roqueiro) e um casaco com slogan de um time de baseball americano e os dois saíram para tirar as fotografias.
Fora realmente difícil para Touya deixar Botan parecida com um garoto. Ele tivera trabalho penteando os cabelos dela para o lado e amarrando o excedente em um rabo de cavalo curto. E ainda mais tentando tornar o rosto dela um pouco mais masculino. No final o resultado até que o agradara. Ela continuava delicada, mas nem todos os garotos pareciam exatamente lutadores de boxe, certo? Se ela se mantivesse afastada e usasse um boné a maior parte do tempo, poderia dar certo.
Ou talvez não, se ela continuasse fazendo aquela expressão de garotinha assustada.
Ele não estava mais tão seguro no plano ao saírem de casa, mas quando chegaram ao estúdio fotográfico e todos começaram a chamar Botan de garoto e ainda mais quando a moça do balcão começou a sorrir demais na direção dela, suas esperanças foram renovadas.
- Acho melhor corrermos agora, você tem que pegar o ônibus.
- Ainda temos uma hora – Botan respondeu, andando um pouco mais devagar.
Touya suspirou.
- Eu agradeceria se você não ficasse enrolando. Assim vai perder o ônibus e não só eu como nós dois vamos nos meter em encrenca.
- Ainda temos que pegar as malas.
- A maioria das minhas coisas a minha mãe já mandou para o colégio.
- E como vou saber se me servem?
- Essas roupas que está usando serviram. Qualquer coisa você pode dizer que emagreceu.
Botan quase sentia falta de Yusuke. Touya estava realmente disposto a matar para chegar a Kyoto... Ele e sua amada banda... como se chamava mesmo? Ah, sim, Os Shinobi. Ela só esperava conseguir se acostumar em andar pelas ruas daquele jeito até chegar ao destino. Estava disfarçada, mas, ironicamente, nunca se sentira tão exposta.
- E você, o que vai fazer depois que eu partir?
- Você sabe como eles dizem. Próxima parada: Kyoto.
Botan suspirou. Era mesmo bom, para a manutenção da integridade física dele, que Os Shinobi ganhassem o tal festival.
Isso ou Touya conheceria o lado menos delicado de Botan Tanaka.
N/A: Eu tinha dito que a minha resolução de Ano Novo era terminar todos os meus fanfics inacabados e não publicar mais nada que não estivesse completo. Mas nós estamos em 2004 ainda e eu estou me dando o direito de ser fraca - mas só dessa vez.
Este é um fanfic Kurama/Botan, embora tenha mais a pretensão de ser engraçado que romântico. O Kurama não apareceu ainda, mas ele estará no próximo capítulo com certeza. Como é uma história bem simples, já tenho alguns capítulos prontos, então ele certamente não ficará abandonado as traças como os outros ficam de vez em quando (eu tenho que pedir desculpas por isso, novamente!).
Bom, obrigada por ler. Se me disserem o que acharam, ficarei muito feliz.
Espero que tenham todos um Feliz Natal!
Até breve!