Capítulo XXVII – Epílogo
A Belle Époque era considerada como a era de ouro da beleza, inovação e paz entre a França e seus vizinhos europeus. Em Paris, as inovação floresciam, o nascimento dos cabarés e do cancan impunham-se no bairro mais famoso da capital: Pigalle.
As noites eram animadas na capital Francesa, sobretudo na base de Montmartre onde um dos mais conhecidos cabarés do país abria novamente as suas portas.
Passeando pelas ruas de Pigalle, o homem alto e moreno procurava o lugar de que tanto ouvira falar. Debaixo do braço guardava preciosamente o seu sketch book de capa preta.
"Jack and Jill
Went up the hill…"
Os lindos olhos verdes observavam a entrada do cabaré enquanto cantarolava baixo uns versos.
Moulin Rouge
Entrou calmamente na sala de espectáculo, onde se espalhava um frenesi de musica e dança, homens acompanhados de jovens dançarinas, festa, champanhe…
No palco todos olhavam vidrados o espectáculo mais conhecido como French cancan.
"To fetch a pail of water.
Jack fell down
And broke his crown
And Jill came tumbling after."
Sentou-se numa pequena mesa afastado, jogando o sketch book sobre ela.
"Up Jack got
And home did trot"
As fast as he could caper
Went to bed
And plastered his head
With vinegar and brown paper."
Olhou em volta divertido com o lugar. Era fora do comum… nada do que estava habituado em Londres. Apesar de tudo, conseguia ver que as jovens prostitutas eram iguais em todo o lado, por mais voltas que desse.
Não tardou para que alguém se aproximasse dele. Alguém como ele não ia ficar muito tempo sozinho num lugar daqueles... uma jovem, aparentemente bailarina, elegante, bem bonita… os olhos verdes brilhavam de uma expectativa conhecida.
- Bebe algo? – a voz lembrava-lhe dias passados… lembranças de Londres… Withechapel…
Sorriu, assentindo para a bela jovem morena. Observou-a sentar-se ao seu lado com um sorriso nos lábios.
- É a primeira vez aqui? Não lembro de o ter visto por estas bandas antes…
- Si, faz tempo que queria conhecer o lugar, mas apenas hoje vim.
A jovem ia-se aproximando aos poucos sem pudor, conversando de tudo ou nada. Rapidamente se apercebeu do sotaque estrangeiro do homem assim como o tique nervoso de bater constantemente com os dedos sobre a mesa… um livro estranho perto das suas mãos.
- Hummm… com que então um artista sr.?
- Shura.
- Ah, sim. – falou sorrindo – com que então um artista sr. Shura?
O espanhol assentiu, tomando o copo de vinho tinto e levando-o calmamente aos lábios. O sabor delicioso a uva inebriava-o.
- Carrega sempre o livro consigo presumo… já deve ter alguns desenhos para mostrar…
- Tengo… duvido que queira vê-los.
A jovem riu, puxando o livro para perto. Com tantas viagens que o espanhol tinha feito, teria certamente muitas fontes de inspiração para grandes obras!
A curiosidade ataca todos. Ricos ou pobres, todos eram alvo daquele vicio. Umas vezes davam-se bem… outras arrependiam-se amargamente de terem cedido.
A jovem abriu o livro calmamente.
Sentiu um nó na garganta e arregalou os olhos com as imagens que passava. Eram apenas desenhos… mas extremamente reais! Rostos contorcidos de dor, objectos ensanguentados… órgãos humanos! Todos desenhados com tamanha precisão e minuciosamente detalhados como se aquelas cenas tivessem sido presenciadas.
O rosto da jovem ficou lívido, a respiração pesada. Fechou rapidamente o caderno sobre a mesa, os dedos tremendo. Aquele caderno devia arder nas chamas do inferno...
Shura tinha encontrado na morte a maior forma de inspiração possível. Apenas quando tinha visto a sua obra acabada tinha parado... se a rapariga tivesse visto até ao fim, perceberia a ultima pagina em branco. Um branco imaculado marcando o final de uma era.
Na sala, o espectáculo continuava. O mesmo frenesi de musica e dança, pessoas rindo, gargalhando, bebendo champanhe, vinho, whisky…
O calor da sala era acolhedor, depois de ter passado tanto tempo na rua.
As ruas escuras de Paris adormecida encontravam-se agora recheadas de um nevoeiro fino. Poucas pessoas eram as que continuavam na rua depois de um árduo dia de trabalho. Apenas algumas que procuravam divertimento arriscavam sair da protecção das suas casas.
...a vida continuava, marcada pelo correr das águas do Sena.
