Disclaimer – eu não sou o Kishimoto.
Amora
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Você tinha seis anos, os cabelos mais pretos e a pele mais branca dentre todas as garotas que eu já tinha visto quando nós nos conhecemos. Você estava na ponta dos pés, tentando roubar uma cesta de amoras que estava na minha janela. Correu com ela nos braços e os meus olhos te seguindo. Eu não sou estúpido o suficiente para dizer que você levou com as amoras o meu coração (um que eu nem acreditava ter) porque não me apaixonei por você naquele mesmo momento. Te achei magricela e pequena demais.
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Quando nós tínhamos dez anos e você já tinha intimidade suficiente comigo (ou aquela invasão do meu espaço na qual você teimava), você me beijou. Era beijo de criança e tinha o gosto das amoras que você comia. Aquela sua esquisita paixão pelas amoras que eu nunca entendi. Os seus dedos seguraram a minha camisa com força e marcaram de vermelho o pano branco. Minha mãe reclamou por dias porque a bendita mancha não queria sair e "você tem que aprender a comer sem se sujar todo, Fugaku". Mal sabia ela que o gosto das amoras manchando os meus lábios demorou muito mais para desaparecer.
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- Eu amo você.
Você tinha dezessete anos quando concluiu o furto do meu coração e proferiu as palavras que me fizeram cuspir metade do que quer que eu estivesse bebendo. Eu não tive coragem para dizer qualquer coisa, mas você entendeu. Você me entendia tão bem. E então você começou a jogar frases soltas sobre o seu dia enquanto brincava no balanço.
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- Eu estou completamente apaixonado por você.
As palavras criaram vontade própria e saíram da minha boca num rompante. Num momento você me olhava e eu parecia ver um fundo de seriedade nos seus olhos, mas então você riu aquele seu riso gostoso. Era madrugada e você tinha acabado de abrir a porta da sua casa.
- É claro que está. A gente diz isso pro mundo inteiro quando tem o hálito tão carregado de saquê quanto o seu, Fugaku.
Você me olhou divertida, me puxou pela mão e me levou para baixo das cobertas. Eu só conseguia pensar na sua mão que tinha um calor gostoso e que segurou a minha pelo resto da noite. Era patética a sensação de que eu poderia segurar a sua mão e sentir a sua respiração pesada no meu pescoço pela vida toda sem me incomodar.
Quando eu apareci um ano depois na sua porta, tão bêbado quanto da outra vez, perguntando se você casaria comigo, você fez a expressão mais surpresa que eu já tinha visto na vida. Eu me pergunto se você já não sabia, daquela outra vez, que eu te amava. Se você não fingiu pensar que era uma brincadeira para não me deixar sem saber o que fazer depois. Você sempre me protegeu.
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E terminou exatamente como começou, Mikoto. O seu perfume de sabe-se-lá-o-que impregnando o ar, a sua mão segurando a minha naquele calor gostoso e o gosto de amora dos seus lábios.