FORGIVEN

Capítulo 06 - Expressões da Loucura

Ouvir a voz de Kaoru tão alegre e satisfeito corta Uruha por dentro, tornando a conversa ainda mais difícil. Sente então uma mão pequena segurando de leve em seu braço e descendo até seus dedos livres, entrelaçando-se neles para lhe dar força. Seus olhos se voltam e encontram o rosto aflito de Ruki, percebendo como a amizade entre todos eles é muito mais forte.

- Depois de tudo que o Aoi me fez... Percebi o que sinto por você. –A raiva que sente o deixa ainda mais nervoso, desejando que isso acabe logo e nunca mais precise falar com essa criatura maligna. – Que acha de... Bem... Podíamos jantar juntos e... Talvez... Relembrar como era bom nós dois na cama.

Apesar de perceber no rosto do loiro a expressão de nojo, Kai balança a cabeça em aprovação, sabendo que o amigo diz exatamente o que o perigoso advogado deseja ouvir. É a melhor maneira de aproximar-se e não deixar que o outro desconfie.

- Seria ótimo! – O instinto de Takashima deseja que ele não aceite, mesmo isso sendo parte do plano e uma profunda decepção surge dessa alegria que o revolta. – Quero te devorar todinho.

Mesmo que não queira Kouyou precisa afastar o telefone do rosto, pois aquelas palavras, aquele tom de voz lhe provocam uma vontade terrível de desabar sobre ele todo o ódio que sente. Mas sabe que isso é pelo Yuu e por ele faria qualquer sacrifício, nem que tivesse que se entregar fisicamente ao maldito.

- Hummm... Eu quero...– Ele soa excitado com a idéia e lhe satisfazem os gemidinhos que vem da parte do advogado. – Estou ansioso por isso... Pode ser hoje mesmo?

Reita anda de um lado para o outro, parecendo um animal selvagem enjaulado. Sente-se impotente, tentando controlar um lado violento que tem desde criança... Resultado da terrível sensação de abandono após a separação de seus pais. Observa o chão enquanto caminha, pensando no que pode estar acontecendo com o amigo, lamentando por não ter efetivamente tentado ajudar Shiroyama, concentrado demais que estava em seu próprio problema.

Os olhos de Takanori se voltam na direção dele, pois o conhece bem e teme a reação de Akira quando está assim. Por mais que estejam brigados, admite para si mesmo que o ama... Sim... Dentro dele não existe apenas desejo, mas um sentimento tão forte que mal consegue respirar. Gostaria de ampará-lo nesse momento em que parece tão frágil e triste, surpreendendo-se com esse seu lado tão protetor... Apesar da mágoa que o domina.

- Eu vou ter uma visita importante. Que pena! – Uruha não consegue deixar de soltar uma interjeição decepcionada, pois precisa encontrar Aoi o mais rápido possível. – Mas podemos fazer isso amanhã... Que acha?

- Perfeito! – Uruha está meio monossilábico, tentando controlar a angústia que o corrói. – Vai ser muito bom... Estar nos seus braços novamente.

Então o impensável acontece, ruídos estranhos precedendo o grito doloroso e triste, com o som do celular sendo manuseado de qualquer jeito.

"ME MATA DE UMA VEZ, SEU MALDITO!" – Ainda ecoa na mente desesperada de Uruha. Sabe que esse sofrimento todo vem do seu Yuu e quase grita por ele, mas percebe algo... O som vindo do outro lado da linha não foi interrompido! E... O seu amado... Ouviu cada palavra falsa que disse... Depois de terem se separado daquele jeito. – "Por Kami! Não!"

E logo em seguida ouve o som de um tapa ecoando pelo ambiente, ciente de que o amaldiçoado bateu em Yuu e somente os olhos aflitos dos amigos o impedem de gritar para que o deixe em paz.

- Que foi? – Uke sussurra preocupado com a expressão do loiro.

Takashima faz apenas um leve sinal com a mão, que já havia soltado a de Ruki e segura firme o telefone, temendo deixar cair e perder algo da conversa que testemunha involuntariamente.

Os amigos o cercam, percebendo que algo está errado nessa ligação, o seu silêncio revelando mais do que qualquer palavra. Reita se impacienta, desejando sair à caça do maldito e trazer sua pele como prêmio, mas Kai percebe e segura seu braço.

- Calma, Akira. – Fala no tom mais baixo que consegue.

- Mas... – Sabe que ele está certo e se contém, chutando a poltrona mais próxima a fim de extravasar sua raiva.

Ruki não consegue manter-se de pé, tudo isso sendo demais para ele. A expressão sofrida de Uruha revela o pior, que o amigo que enfrentou o difícil caminho do Gazette junto deles está sofrendo e estão parados ali. Precisa sentar, temendo que as pernas falhem e acabe caindo.

- Nunca mais tente ser espertinho. – A voz de Kaoru soa nervosa, daquela forma que o loiro conhece tão bem. – Senão eu...

- Vai me matar? – Sente como Yuu parece exausto e triste, algo dentro dele se quebrando por saber como tudo que disse deve ter destruído o pouco de resistência que ainda lhe restava. – Eu quero isso. Me mata de uma vez... Eu não quero mais nenhuma dose...

"Dose?" – Aquilo é ainda muito pior do que podia imaginar e por mais que tente ser forte a dor o vence, as lágrimas rolando por seu rosto, apesar do silêncio, as pernas fraquejando e o forçando a sentar.

- Você morre quando EU quiser. – A voz do advogado está tão calma que poderia matá-lo com as próprias mãos nesse momento.

Ouve o ruído de água, provavelmente naquela bacia branca que ele costumava usar quando cismava que Uruha não estava limpo o suficiente para estar com ele na cama. Essas coisas apenas o afligem ainda mais e demonstram como sua relação com Kaoru já era doentia antes mesmo que admitisse isso para si mesmo.

- E isso é o que? – Aoi tem um tom tão desamparado na voz fraca e isso apenas o tortura ainda mais, pois Uruha sabe exatamente a razão da água e sente-se paralisado pelo desejo de impedir Kaoru. – Agora vai se preocupar com banho? Quer que encontrem o meu cadáver bem limpinho?

- Não. – O rasgar da camisa é nítido, a respiração de Kouyou presa no peito. – Como eu posso transar com você... Sujo desse jeito?

Sim... O que o loiro mais temia é uma realidade, triste e dura, mas se vê incapaz de agir, pois Kaoru pode estar atendendo o celular em qualquer lugar da Terra. Imagina a expressão de Aoi... Solidão... Traição!

- O quê? – Percebe em sua voz a surpresa, muito mais do que qualquer outra coisa. – Do que você está falando?

- Ora... Você é um demônio que está dominando o meu corpo... – Kaoru fala sério e isso preocupa ainda mais o ouvinte, pois sabe que ele perdeu totalmente o juízo, sendo capaz de tudo. – Preciso exorcizá-lo... E vai ser assim. Satisfaço minha luxúria e depois... Você pode morrer como tanto deseja.

Takashima ergue-se de um pulo, movendo-se rápido na direção da mesinha onde deixa as chaves da moto, mas é contido pela mão forte de Reita, que segura a sua, ciente do estado emocional do amigo.

- Preciso salvá-lo! – Diz em um sussurro, ainda com o telefone no ouvido.

- Eu também... – Gostaria de demonstrar como se sente, mas esse não é o seu ponto forte.

- Não... Eu não quero! – Pela primeira vez Kouyou percebe um medo real na voz do homem que ama, provavelmente estando incapaz de defender-se sozinho.

- Bom... Você não tem escolha. – Aquele mesmo tom... Aquele de quando o... Forçava a fazer sexo! – Eu vou te estuprar e... Amanhã vou me fartar no Uruha... Ali no quarto ao lado... Deixando você ouvir tudo daqui... Antes de injetar a última dose...

- Não... Não... – Quer dizer para os amigos o que está ouvindo, mas eles nitidamente já notaram por sua expressão desesperada. – Preciso impedir o canalha... Mas... Onde ele...

- Vamos pra casa do maldito! – Tora fala, tendo observado tudo calado até então, sabendo que nesse instante talvez seja o único com estrutura para tomar alguma decisão.

ooOoo

Aoi se vê sem saída e indefeso, posição que jamais aceitou, mesmo quando se via encurralado pelas dificuldades da vida. Sabe que precisa lutar para impedi-lo, mas como fazer isso quando seu corpo está tão enfraquecido? Sua mente, entorpecida pela ação avassaladora da droga, não consegue encontrar uma solução, então resolve ganhar algum tempo.

A esponja desliza por seu abdômen, o contato incômodo tornando-se cada vez mais ousado, a mão de Kaoru abrindo o botão de sua calça e o tocando sem qualquer cuidado, tomado por uma curiosidade culpada. Aproveita então o momento em que ele usa ambas as mãos e move-se o suficiente para desequilibrar a bacia e esta cai no chão, espalhando água e espuma por todo o chão impecavelmente encerado.

- Seu... – Kaoru se levanta nervoso, irritado com o chão e com sua calça que também está molhada. – Só vai prolongar mais sua agonia. Não pense que vou deixar você me dominar como fez com o Uruha.

- Quer saber... – Resolve usar o pouco do discernimento que lhe resta e usa a loucura de Kaoru a seu favor. – Isso não tem cura.

- O que? – Os olhos do advogado se arregalam. – Não pode ser. Preciso tirar isso de mim.

- Não. Depois que me tocou... – Shiroyama presume que em algum momento Kaoru o beijou e percebeu que se excitou com isso... Algo que não esperava. – Minha doença te infectou e... Só vai sentir mais e mais a vontade de me ter.

- Não! – Kaoru esfrega a boca com as costas da mão, com tanta força que quase fere os próprios lábios.

- Vai ter que me matar pra evitar esse desejo. – Respira fundo, pois prefere muito mais morrer do que ser testemunha... Do seu Kouyou de volta nos braços desse maluco. – Assim você se livra de mim e da minha praga.

Kaoru dá as costas para ele, pensando em como seu plano era absolutamente perfeito e mais uma vez esse ser inferior conseguiu destruí-lo. Mesmo que não admita para si mesmo, um forte desejo de ter Aoi o possui e apenas matá-lo, sem provar do fruto proibido, pode piorar seu estado. Está excitado demais, tocando-se de forma libidinosa e isso apenas o revolta mais. Mas e se experimentar... Há a possibilidade de nunca mais se curar desse mal!

- O que devo fazer? – Pensa no que o avô faria, mas essa lembrança somente piora a situação, pois ele jamais aceitaria que se excitasse com um homem desse jeito. – Sou um sujo! Eu quero muito, mas... Não posso me arriscar. Mas e se... Não sei...

A mente doentia do advogado parece tão confusa que Yuu não sabe o que esperar. E isso é exatamente o que o preocupa, decidindo se calar e esperar pela reação. Nota o quanto suas palavras o abalaram, talvez mais do que esperava. O limite tênue entre a realidade e a total insanidade tendo sido ultrapassado dentro de sua cabeça.

Quando ele se volta o guitarrista prende a respiração, o ar de superioridade ausente, apenas restando um par de orbes vazios. O homem se aproxima devagar, alheio a tudo, abaixa-se e pega a bacia com cuidado, recolhendo a esponja e saindo sem nada dizer.

- Céus! O que foi isso? – Mesmo que aparentemente tenha ganhado o tempo que desejava, um pavor incontrolável toma conta de sua mente, pois até então sabia com quem estava lidando. – O que ele vai fazer agora?

O tempo em que fica sozinho parece arrastar-se dolorosamente, fazendo Aoi desejar que a morte chegue logo. Dói demais lembrar as palavras do seu loiro, de como ele estava tão íntimo e amoroso com Kaoru... Como se jamais o tivesse amado de verdade.

- Kouyou... – Sua voz sai fraca, quase podendo dizer que ouve a de Uruha falando com ele. – Por quê?

Daí fica em silêncio, a respiração parecendo cada vez mais difícil, os tremores voltando com força e começando a exigir mais uma dose para acalmar a necessidade de seu corpo.

Kaoru volta após um bom tempo, talvez trinta ou quarenta minutos, vestido impecavelmente com um terno preto, modelo bastante antigo e uma linda echarpe de seda pendendo do pescoço. Seu cabelo está úmido, mostrando que ele mesmo tomou banho, uma vez que em sua loucura se acha sujo por desejá-lo. Parece calmo, até demais, nas mãos apenas um pano seco que ele passa sobre o chão encharcado. Seca com cuidado cada canto do assoalho, dobrando o tecido úmido com esmero e o depositando no canto. Somente agora seu olhar se ergue, encontrando o rosto do moreno deitado, uma expressão enigmática estampando suas feições bonitas.

- Eu já te contei que fui criado pelo meu avô? – Diz isso, mas não exatamente para Aoi, mas como se falasse para si mesmo. – Ele era um homem rico e poderoso, de uma família muito tradicional. Tirou a guarda dos meus pais quando eu tinha uns oito anos... Meu pai se casou com uma fulaninha interesseira e foi expulso de casa. Ele me criou pra ser diferente do filho, usando do chicote quando era necessário.

- Eu não... – Precisa tentar trazer Kaoru de volta, pois essa nova pessoa que está diante dele parece muito mais perigosa.

- Meu avô tinha tudo e todos que queria... As amantes deviam ser perfeitas, servis e submissas, portanto qualquer erro e pagavam o preço. – O surtado homem segura na echarpe com orgulho. – Esse terno era dele... Com essa echarpe ele eliminou quem se colocava no seu caminho. Eu vi... Ele me ensinou a ser como ele.

- Kaoru... Por favor... – Há um brilho estranho no olhar do advogado que o faz estremecer. – Pensa bem no que está fazendo. Você não é o seu avô.

- Não sou mesmo. – A voz sai vazia, sem emoção, como se realmente não fosse a pessoa de Kaoru presente naquele local. – Ele nunca sentiria excitação com um homem. E ele os teve na cama... Sim, eu vi... Mas era para dominá-los e humilhá-los, como fazia com todos. Mas eu... Me excitei beijando um homem... Senti um calor... Quis ter ele pra mim... Mas não para apenas...

Ele balança a cabeça sem controle, como se o pensamento que lhe surgiu na mente fosse ruim demais para estar ali e precisasse ser expulso.

- Por isso eu vou te matar. – Kaoru não olha para Shiroyama, mas para o vazio, como se ainda recebesse ordens do tirânico avô. – Mas... Antes eu preciso...

- Não... Por favor... – Sabe bem o que essa pausa significa. – Você não sentiu nada, foi uma impressão sua e eu não...

Kaoru aproxima-se depressa e o agarra pelos ombros, colocando-se sobre ele e segurando o guitarrista contra o colchão. Seus olhos têm uma fúria selvagem, o odor de bebida chegando forte de seu hálito, a calma vitoriosa do advogado dando lugar ao ser insano que perdeu a batalha contra a culpa voraz e as recriminações do avô que ecoam do passado em sua cabeça.

- Vou te machucar muito. – Senta-se sobre o estômago de Yuu, livrando-se da calça que ainda o impede de realizar seu intento. – Quero que você sofra como eu estou sofrendo. Vou te dominar e humilhar...

- Sai, seu maluco! – Shiroyama tenta se debater, mas Kaoru se deita sobre ele e começa a abrir-lhe as pernas enfraquecidas. – Não!

Um som forte corta o ambiente, que nesse embate entre os dois parece extremamente distante, mas que de repente vai se tornando audível, revelando ser a campainha. Primeiro Kaoru não faz qualquer menção de parar, forçando as pernas de Aoi o máximo que consegue para liberar sua entrada, mas... Como alguém obsessivo como ele poderia ignorar a campainha?

Por segundos que parecem intermináveis o rosto enfurecido vai se transformando, a calma vitoriosa de volta, Kaoru se erguendo e o pensamento maldosamente lógico dele presente mais uma vez.

- Quem será agora? – Mais um toque forçando-o a levantar. – Mas não pense que se livrou de mim.

Puxa a echarpe do pescoço e se aproxima, um forte desejo de tomar mais uma vez essa boca o possuindo, sua ereção presente sob o tecido da calça. Contém esse ímpeto, que apenas o irrita mais, então amordaça seu prisioneiro.

- Isso é pra você não tentar nada. – Fala já abrindo a porta do quarto, nervoso com o terceiro toque, mas se voltando na direção de Aoi antes de sair. – Temos um assunto inacabado.

ooOoo

Os olhos chocolate se erguem na direção do sobrado onde Kaoru mora enquanto o carro de Reita vai parando do outro lado da rua. As janelas estão cerradas, luz vinda apenas de uma delas, no andar superior, evidenciando que ele está ali e... Aoi também.

Ele e os amigos vieram o mais rápido que podiam, o celular ainda grudado ao ouvido. Ouve nitidamente a respiração pesada de Aoi e toda a agonia para tentar impedir o ataque de seu algoz. E mesmo que não queira Uruha não pode deixar de sentir-se culpado, pois foi ele que atraiu o advogado, que deixou seu namoro doentio chegar até o ponto em que Yuu precisou intervir... Na verdade, o envolveu quando ligou pedindo ajuda. E o tornou um alvo fácil ao acreditar nas mentiras... Culpa sua, toda sua.

Assim que estacionam desce do carro, ouvindo cada detalhe do ataque de Kaoru e ciente de que ele é capaz de efetivar seu plano, pois nunca foi um sujeito que apenas ameaça. Os demais o seguem, mas Reita segura o braço de Ruki, impedindo-o de sair.

- Fica aqui no carro. – Diz enfaticamente.

- Por quê? – É nítido o nervosismo na voz do chibi. – Eu não quero ficar esperando.

- Precisamos de alguém no carro, caso aconteça algo inesperado. – Teme por ele diante do perigo desse resgate, mas prefere apelar para o seu lado racional. – Você é o melhor motorista.

- Ok. – Aceita contra a vontade. – Mas não deixa o safado sair ileso.

- Pode deixar. – A expressão mais sádica do baixista surge, pois pretende fazer o advogado sofrer.

Uruha não espera por ninguém, corre até a porta, com os outros seguindo atrás e se colocando nas laterais enquanto ele toca a campainha, evitando o olhar de quem atender. Ouve toda a contrariedade de Kaoru com o toque e insiste, pois sabe muito bem que ele não deixaria de atender. Logo percebe que funciona, desliga seu celular e respira fundo. Precisa aparentar uma calma inexistente a fim de não levantar qualquer suspeita.

- Você? – Kaoru se surpreende ao abrir a porta. – Não combinamos de vir amanhã?

- Ah... Foi mesmo? – Assume seu ar mais estabanado. – Eu me confundi?

Um erro como esse teria deixado o advogado muito contrariado no passado e infelizmente teria sido obrigado a bater nele. Mas no momento acredita que toda essa afobação apenas demonstra como o guitarrista está ansioso para estar com ele. E isso é... Maravilhoso.

- Tudo bem, não tem problema. – Afasta-se para ele passar, não sem antes lançar um olhar um pouco desconfiado para fora, vislumbrando apenas um carro do outro lado da rua, nada mais. – Pode entrar.

- Sinto tanto ter errado... Me perdoa? – Essa pergunta é dita de forma tão melosa que o homem não consegue manter a contrariedade em sua expressão.

- Já te falei que sou um homem mudado. – Precisa que ele realmente creia nisso. – Esses pequenos deslizes acontecem e... Confessa que estava doido pra me ver!

- Pois é... – Aparenta uma timidez, que na realidade é pura raiva represada. – Acho que você tem razão.

O advogado se aproxima, tocando o loiro na cintura e ficando tão próximo que podem sentir a respiração quente um do outro. Há certo desconforto na atitude física de Uruha, mas ele acredita que seja o nervosismo e isso apenas o excita mais.

- Aquela nossa conversa no telefone... – Represa tudo o que sente, mantendo um sorrisinho tímido. – Fiquei perturbado. Peguei a chave do carro e saí sem pensar duas vezes.

- Uhm... Isso é bom. – Aproxima-se do pescoço alvo, sentindo o perfume que o seduzia. – E gostaria de fazer o que nesse momento?

Aquela malícia toda enoja o guitarrista, que gostaria de atacá-lo como uma fera, mas sabe que não consegue, ainda traumatizado com todas as agressões que sofreu.

- Mas... Não assim... – Não pode deixar a situação partir para esse caminho. – Ainda estou nervoso.

- Não quer sentar? – Kaoru é a pura gentileza, um sorrisinho maldoso surgindo ao pensar em como Aoi vai ter uma terrível surpresa ao contar quem tocou a campainha. – Quer tomar alguma coisa?

- Beber... – Precisa fazê-lo sair da sala. - Você sabe do que gosto, mas... Pode colocar gelo? Estou diminuindo a dose.

- Claro que sim. – Aquele rosto perfeito, parecendo feito de porcelana, foi o que o atraiu no loiro... Além dessa aparência frágil. – Já volto. Fica a vontade.

O homem passa pela porta que leva à cozinha, dando a Uruha algum tempo, pois com certeza vai se esforçar para fazer o drink perfeito... Como de costume. Takashima então se ergue de um pulo e corre, subindo as escadas com a máxima rapidez que consegue. Pensa na janela de onde vinha luz e se dirige para o cômodo no fim do corredor.

Sua mente divaga sobre tudo que pode ter acontecido com o seu moreno, o que Kaoru fez... O que 'mais uma dose' realmente significa. Um aperto no peito quase o impede de respirar, apenas a necessidade de ser rápido e descobrir o paradeiro dentro dessa casa... Apenas nisso que sua vida se resume nesse instante. Salvar Aoi se tornou seu único objetivo e por ele está enfrentando o maior medo que já sentiu, pois Kaoru ainda consegue paralisar suas ações, derrotar seu espírito.

Mas nada o teria preparado para o que vê. Aoi está amarrado e amordaçado sobre a cama, o corpo seminu extremamente emagrecido, a expressão sofrida e carregada de uma fragilidade que jamais imaginara ver nele. Os olhos fechados, talvez desmaiado ou adormecido, mas as lágrimas correndo por seu rosto... A própria visão da desolação. Aproxima-se, ansioso por tocá-lo e transmitir todo o amor que sente, mas sabe muito bem que não tem muito tempo, então se afasta a contragosto, olhos fixos no seu amado. Confirmada a presença de seu namorado nesse cômodo, agora é abrir a porta da frente e conseguir a ajuda dos amigos para resgatá-lo.

Desce as escadas com agilidade, mas ao chegar quase nos últimos degraus, é detido pela figura autoritária de Kaoru parado diante dele. Não sabe o que fazer, pois foi pego de surpresa, sem chance de arranjar qualquer desculpa.

- Então era isso. – Há um ressentimento naquele rosto que Kouyou conhece muito bem. – Estava me enganando... Por causa dele.

- É. Descobri o seu segredinho sujo, seu safado. – Sua voz tem o tom dos sentimentos que fazem seu coração acelerar, apesar do medo que sente desse homem. – Por acaso pensava que eu ia voltar pra você depois de tudo que me fez?

- Pelo jeito a doença é pior do que eu pensava... – Acredita que só mesmo isso poderia ter transformado o seu Uruha... Nisso!

- Não é doença nenhuma seu doido! – Takashima fala alto, esperando que os amigos o ouçam. – O único doente aqui é você. E é da cabeça. Eu AMO o Yuu e nada que você fizer pode nos separar.

- Então... – Kaoru agarra o braço do guitarrista com tanta força que poderia quebrá-lo. – Vou deixar você assistir o que pretendo fazer com ele... Antes de te matar e fazer parecer que a culpa te corroeu até que tirou a própria vida.

- Me larga! – Tenta soltar-se daquela mão, mas o advogado é forte demais.

Takashima tenta acertá-lo, mais por reflexo do que por coragem, mas o homem segura seu pulso com ainda mais força do que faz com o outro braço. A dor é insuportável, trazendo de volta todas as agressões, as humilhações e a submissão que Uruha ainda tem dentro de si. Tem medo de Kaoru mais do que tudo, como se o relacionamento entre eles o tivesse marcado para sempre.

- É... Você ainda me teme, não é? – Um sorrisinho vitorioso na boca bem feita. – Ainda é o Uruha que me obedecia... Que sabia quando fazia algo errado.

- Eu não... – Sente-se incapaz de desmentir, pois sabe que o ex-namorado não está errado.

O ruído vindo da porta é forte, fazendo com que o homem se volte, mesmo que continue segurando o braço de Uruha. Depois de três pancadas fortes ela cede, dando passagem para Tora e Reita, que entram esbaforidos pelo esforço. O baixista avança contra o advogado, segurando seu pescoço e empurrando-o de encontro à parede às suas costas. Não há como Kaoru resistir, pois a mão grande do músico não cede um centímetro, a expressão de ódio fazendo-o paralisar. Nem percebeu que largou seu objeto de obsessão, seu coração acelerado com a possibilidade de ser morto por esse homem de aparência rude.

- Uru, pode ir! – Reita aperta mais o pescoço que segura firme, prendendo-o contra a parede. – Eu cuido do nosso 'anfitrião'.

Takashima sobe a escada correndo ao ver-se livre, sendo seguido por Kai e Amano, que sabem que o tempo é precioso e Akira não pode manter o homem perigoso preso eternamente. Ao abrirem a porta, enquanto o loiro se aproxima da cama e tira a mordaça, os outros dois paralisam. Nunca pensaram que veriam tal imagem, os olhos de Kai se enchendo de lágrimas instantaneamente.

- Por Kami! – Apenas essas palavras saem de sua boca levemente trêmula.

Uruha senta na cama, temendo que seja tarde, sua mão passando pelo rosto suado, então sentindo como ele está frio.

- Yuu... Por favor... Acorda. – Não poderia suportar perdê-lo dessa forma.

Os tremores se iniciam devagar, revelando que aquele corpo ainda vive, mas sofre os efeitos do que o maluco estava dando para ele. Os olhos negros vão se abrindo, descrentes da figura que vislumbra, imaginando ser mais uma das alucinações terríveis que o assombram desde que iniciou essa viagem sem volta.

- Sai! – Pensa que esse deve ser Kaoru e que sua mente tenta enganá-lo. – Me deixa morrer em paz, por favor.

- Não, sou eu. – Abraça o corpo enfraquecido, que fica estático, preso em uma apatia ainda mais assustadora. – Eu vim te salvar, meu amor.

Tora caminha até eles, preocupado com o fator tempo, mesmo que esteja assustado demais com o que aquele homem foi capaz de fazer... Principalmente por isso.

- Não podemos demorar, Uru. – Avança e desamarra as mãos emagrecidas, cobrindo o corpo despido com o lençol e tomando-o em seus braços. – Deixa que eu o carrego.

Passa por Kai, sendo acompanhado pelo loiro, mas o baterista pensa algo que é importante demais, vasculhando as gavetas até que acha a droga que Kaoru usou. Sabe que é imprescindível conhecer o que foi usado para o processo de cura. Corre a fim de alcançar os outros e descem as escadas com cuidado, pois cada passo parece trazer dor a Shiroyama.

- Não! – Kaoru grita desesperado, vendo sua chance de cura sendo carregada para fora da casa. – Uruha... Não faz isso comigo!

- CALA A SUA BOCA! – Reita diz antes de acertar os testículos do advogado com o joelho, deixando cair aos berros no chão. – Nunca mais tenta nada, senão... Da próxima eu te quebro o pescoço.

Ele passa por cima da porta, verificando antes que é o último a sair. Corre na direção do carro, onde Tora acomoda Aoi no colo do loiro. Permanece do lado de fora, vigiando a casa até que todos estão dentro do veículo, somente então entrando e pedindo para Ruki sair dali o mais depressa possível.

ooOoo

- Precisamos levar ele pra um hospital! – Ruki fala nervoso, pois não vê sentido em trazer Aoi para o próprio apartamento.

Ele continua aflito com o estado em que viu o amigo, movendo-se ansioso por se sentir impotente diante de tudo. Reita e Kai também permanecem de pé, aguardando que Amano o acomode no quarto para que Uruha possa cuidar dele.

- Não sei o que o maluco deu pra ele, mas... Já vi aqueles sintomas. – Akira de certa forma concorda com Takanori quanto à necessidade de urgência no atendimento médico. – Ele está em crise de abstinência.

- Não podemos levar o Shiroyama ao hospital! – Kai diz sério, mesmo que seu rosto transpareça toda a sua preocupação. – Se fizermos isso vamos apenas dar a vitória para o maldito.

- Por quê? – Por mais que tente raciocinar Ruki pensa apenas no rosto debilitado do amigo.

- A imprensa ia descobrir e... Acabaria com a carreira do Aoi. – Suspira, pois seu coração ainda bate acelerado. – Lembram dos garotos do NEWS? Só por que alguém os viu bebendo, sendo menores... Eles foram expulsos.

- Pior que o Uke tem razão, Taka. – Reita percebe a que ponto o líder da banda quer chegar. – E aquela víbora poderia rir por último. Devia ter acabado com a raça dele!

- Não fala bobagem! – Essa possibilidade assusta o cantor. – Não pensa que eu ia levar cigarro pra você na prisão.

A pequena brincadeira relaxa um pouco os rapazes, mesmo que seus olhos se voltem vez ou outra na direção da porta do quarto. Reita sorri, pois preferia as 'visitas íntimas'... Podia dispensar o cigarro. Ouvem a porta se abrir e o guitarrista do Alice Nine sai com uma expressão pesada, o que apenas torna o clima entre eles sombrio mais uma vez.

- Ele não está nada bem. – Sua voz sai arrastada. – O Uruha ainda não conseguiu acalmá-lo. E... Tive até medo de o quebrar de tão fraco.

- Não sabemos o que fazer. – Kai pede com o olhar a ajuda do moreno a sua frente. – Não podemos levar o Aoi ao hospital.

- Não mesmo. – Para uns minutos para pensar, percebendo que não há condições dos amigos de Shiroyama decidirem algo tão importante após vê-lo naquele estado. – Mas... Se me permitirem eu posso dar uma idéia.

- Claro! – Kai se sente orgulhoso demais daquele homem lindo e decidido.

Amano senta-se, pois afinal não esperava participar de algo tão intenso quando aceitou o convite de Kai para sair e fazer ciúme para o seu ex-namorado. Ter estado com o baterista foi o melhor, algo inesperado e maravilhoso, mas... Depois participar de uma missão de resgate... Coisa de cinema! E ver o guitarrista do GazettE daquele jeito... Engole em seco, pois foi a coisa mais perturbadora que já presenciou.

- Bom... Ele precisa de um médico, sem dúvida nenhuma. Pensei em chamar o Dr. Aki, aquele de confiança da PSC. – Todos o conhecem, pois costuma atender o pessoal da gravadora nas emergências. – Ele seria discreto, como sempre, e poderia nos orientar sobre o que fazer pra cuidar do Aoi.

- Concordo. – Reita lembra que esse médico o tratou quando machucou a mão, jamais revelando como quebrou o dedo.

- Depois... Eu e o Kai podemos levar os dois pra uma casa de praia que a minha banda usa quando queremos tirar uns dias de folga. – Tem certeza que os rapazes não iriam se importar. – Ali podemos cuidar dele com calma e em segredo.

Ruki se sentara, mas a menção de excluí-lo o faz levantar mais uma vez.

- Espera. – Sente-se indignado com a possibilidade. – Eu não posso ficar aqui sem saber como ele está.

- Precisamos que vocês fiquem pra dar cobertura. Ninguém mais precisa saber do que está acontecendo e... Se precisarmos de alguma coisa? – Fala com calma, levantando a cabeça e o encarando, mesmo que se sinta cansado demais para se levantar. – E tem outra coisa... Quem me diz que o safado não vai começar a espalhar boatos por aí? Precisamos de alguém que possa defender o Aoi. Alguém que saiba de toda a verdade, mesmo que ninguém vá acreditar nela.

Reita se move na direção do celular, pegando o aparelho e entregando nas mãos de Kai.

- Ele tem razão. – Infelizmente precisa admitir que terão que ficar fora da ação dessa vez. – Uke, no meu celular tem o telefone do médico. Liga, por favor.

- Ok. – Percebe que a partir daqui precisam do maior sigilo, abrindo o flip do aparelho, meio sem saber o que falar.

ooOoo

Kouyou permanece sentado na cama, ao lado do seu amado, que esteve apático por todo o caminho e mesmo quando Tora o acomodou, não esboçou qualquer reação. Represa as lágrimas o máximo que pode, sem saber ainda o que fazer, ainda mais preocupado com esse silêncio.

- Yuu... Fala comigo. – Toca o rosto pálido e triste, sentindo como se seu coração pudesse parar apenas por vê-lo desse jeito. – Me conta o que o Kaoru fez com você.

A menção desse nome causa uma reação inesperada, com Shiroyama voltando da apatia e se debatendo, afastando a todo custo a pessoa que tenta segurá-lo. Choro e raiva, os braços livres empurrando o loiro, sem nem sequer conseguir perceber quem está com ele.

- Não! Eu não quero. – Empurra Uruha para longe, quase o derrubando da cama, juntando todas as poucas forças que ainda lhe restam para defender-se. – Eu te odeio!

Ouvir isso faz a respiração de Takashima ficar presa no peito, temendo que realmente seja para ele que o moreno dirige essa expressão dolorosa de sua mágoa.

- Você está salvo agora. – Tenta acalmá-lo, notando como o moreno olha insistentemente para as paredes, para em seguida cobrir o rosto com as mãos. – Me deixa te ajudar.

- Sai... Não... – Ele movimenta as mãos no ar. – Não deixa essas coisas me comerem. Afasta isso!

O loiro o segura com força, abraçando-o carinhosamente, sentindo a magreza dele contra o seu corpo. Quer chorar, mas a dor o impede, temendo com isso apenas assustar ainda mais o aterrorizado Aoi.

Assim que o médico chega percebe que o seu carinho não é suficiente para acalmá-lo, segurando-o de forma que o médico possa administrar-lhe um calmante.

Fica com ele em seus braços, sentindo como o terror vai diminuindo aos poucos, o corpo tornando-se mais pesado, até que o sente adormecido dentro de seu abraço. Mas os tremores estão ali, a extrema palidez e todos os demais sintomas que debilitam ainda mais o corpo já enfraquecido de Yuu. Seus olhos ignoram o Dr. Aki, que testa com cuidado a droga que Kai lhe entregou, concentrando-se apenas no rosto sofrido e repleto de dor. Quer trazer o seu amado de volta, ainda arrasado por saber que ele ouviu as coisas que disse para enganar Kaoru.

- Você está me odiando, não é? – Deita a cabeça sobre o peito ofegante, desejando demais que ele possa ouvi-lo. – Mas eu te amo demais e... Fui um idiota!

- Takashima... – O médico o chama com gentileza. – Tenho o resultado.

- Desculpa doutor. – Levanta a cabeça com dificuldade, sentindo-se alquebrado. – Nem prestei atenção no seu trabalho.

- Não se preocupe. – Senta-se sobre o colchão, de frente para o loiro. – É mesmo cocaína, como eu temia.

- Não... – Não consegue acreditar que o advogado que um dia pensou amar pudesse ser tão vil a esse ponto. – E como eu posso livrar o Yuu dessa coisa maldita?

- Para sermos bem discretos... Posso fazer, mas... – Encara o rosto transtornado com firmeza. – Você está preparado pra isso?

- Claro que estou. – Um aperto no peito quase para sua respiração. – Faço tudo pra ter o meu amor de volta.

- Mas... Não é um processo fácil e... – Aki sabe que o resultado pode ser perigoso, ainda mais com Aoi nesse estado de fraqueza. – Você vai ter que ficar sempre perto dele... Precisa ser forte pelos dois. E... Serei sincero. Ele pode não aguentar.

- Eu... – Um nó se forma em sua garganta com essas últimas palavras, tirando-lhe a capacidade de dizer qualquer outra coisa.

- Arranjo tudo e podemos partir a noite. – Levanta-se, querendo dizer algo que possa consolar o loiro, mas sabe que não existe nada. – Prepare-se, por favor.

Sai em silêncio, pensando em tudo que precisa deixar pronto, levando em conta todos os imprevistos possíveis, deixando para trás o arrasado Kouyou.

- Nem pensa em morrer e me deixar, ok? – Deita a cabeça sobre o peito de Aoi mais uma vez, deixando as lágrimas correrem sobre a pele pálida, sentindo que a maior dor está por vir, mas decidido a ser forte. Forte como nunca imaginou ser em toda a sua vida. Por ele...

ooOoo

O carro de Reita para devagar diante do prédio onde Ruki mora. Tantas vezes esteve ali, numa amizade que sempre lhe foi tão especial, mas que por causa da paixão que sente pelo chibi, por sua falta de jeito ao lidar com as pessoas... Nesse instante agem como se fossem dois estranhos.

Na verdade Akira jamais foi bom em relacionamentos, resultado provável da falta de um caso bem sucedido em que se moldar. O pai ausente após a separação, a mãe que passava mais tempo trabalhando do que vendo o filho crescer. Se não fosse sua avó, além da amizade com Kouyou, talvez tivesse se tornado mais um delinquente nas ruas. Mas mesmo assim, tudo em sua vida que envolvia pessoas e como falar com elas, era um fracasso completo. Ser músico é a carreira ideal para alguém como ele, pois pode doar algo de si sem ter que interagir diretamente com ninguém... Apenas com os amigos.

Observa Takanori com atenção ao desligar o motor, percebendo as mãos que se movem nervosas, ciente que o cantor não sabe lidar com emoções muito tensas. Desde cedo Ruki foi extremamente reprimido, daí sua timidez, e essa sua relação difícil com o pai também não o ajudou a ter um bom exemplo de relacionamentos.

- Somos mesmo dois incapazes, não é? – Fala meio sem jeito, fazendo o rosto triste erguer-se em sua direção.

- Do que está falando? – Há certa surpresa na voz do vocalista.

- Nenhum de nós sabe falar o que realmente sente. – Admira-se com a facilidade com que isso sai, talvez percebendo enfim a fragilidade da vida e como pode se perder facilmente quem se ama. – Podíamos estar aqui nos apoiando nesse momento difícil, mas... Agimos como dois colegas.

- Rei... Eu sinto sua falta. – Resolve deixar de rodeios inúteis, pois se coloca na posição de Uruha e como se sentiria se fosse Akira sobre aquela cama. – Mas... Não quero ser apenas...

- Mais uma transa. – Finalmente compreende como a forma como se comportou apenas reforçou isso. – Você nunca foi apenas isso pra mim. É que eu sou...

- Um idiota? – Um leve sorriso surge no rosto ainda molhado de lágrimas. – Eu também não fui muito comunicativo.

Suzuki aproxima-se, tocando de leve os lábios quentes, sentindo como estes hesitam ainda trêmulos, para em seguida retribuírem o beijo. Sente como Ruki o procura, sentando mais perto, colocando as pernas sobre as suas e quando percebe já estão perdidos em um amasso tórrido, que logo o excita. Ambos reagem da mesma forma, seus corpos buscando mais contato, as mãos tocando um ao outro com ânsia.

- Espera. – Akira afasta de leve o cantor, notando em seus olhos que deseja mais. – Dessa vez não vou me deixar levar, ok?

- Mas eu quero. – Não entende como agora o baixista parece tão reticente. – Sobe comigo pro meu apartamento.

- Taka... Eu não vou transar com você dessa vez. – Está decidido a fazer a coisa certa e demonstrar que o ama mesmo que não envolva sexo. – Vou acabar errando mais uma vez e não é isso que eu quero pra nós dois.

- Mas que droga, Reita! – Ruki abre a porta do carro, realmente ofendido. – Você nunca sabe o que quer.

- Ei! – Está realmente confuso com a atitude do chibi. – Estou aqui tentando demonstrar o que sinto, não seja um idiota comigo.

- Você é idiota! – Um forte tapa acerta o rosto de Reita, que por uns instantes fica sem ação.

Apesar de todo seu esforço para fazer o certo, Akira não pode se conter depois dessa atitude inesperada do pequeno. Agarra-lhe o braço com força e o puxa de volta para o banco de passageiros, a porta se fechando com estrondo. Segura os ombros de Ruki e o empurra contra o banco, se colocando sobre seu colo. A agressão desnecessária o irrita profundamente, sem saber a razão para tudo aquilo.

- Você não devia ter me batido. – Prende os ombros do cantor, que não esboça qualquer reação, apenas o olha fixo. – Eu só queria te provar...

- Aki... Me bate. – Ele diz com lágrimas nos olhos, de uma forma que assusta o baixista. – Me maltrata... Me estupra.

- Taka... Do que você está falando? – Reita se ergue, voltando ao banco do motorista. – O que deu em você?

As lágrimas de Ruki correm, os soluços ecoando dentro do carro, uma dor imensa, uma fragilidade que assusta o homem sentado ao seu lado. Leva as mãos ao rosto, tentando desesperadamente esconder a sua fraqueza.

- Ver o Aoi daquele jeito... Preciso sentir algo forte pra me fazer esquecer. – Essas palavras saem tão sofridas, que Reita engole em seco. – E eu pensava que se fosse você... Eu teria te perdido e... Seria minha culpa. Só por causa do meu orgulho! Então me humilha... Faz como o meu...

- Taka, eu não sou o seu pai! – Puxa o ser amado para si, colocando-o em seu colo e apertando-o com carinho em seus braços. – Se eu te humilhei... Se te fiz se sentir mal como ele fazia... Me perdoa. Droga! Sou uma múmia e não sei como dizer o que sinto da forma que você merece.

- Sobe comigo, Rei. – Levanta os olhos ainda repletos de lágrimas sentidas. – Não quero sexo. Só não quero ficar sozinho essa noite. Dorme comigo.

- Eu não vou te deixar sozinho. – Sua voz soa repleta do amor que não consegue traduzir em palavras. – Nunca mais.

ooOoo

O céu se tinge de laranja no final daquela tarde, com o som das ondas se quebrando na praia interrompendo o silêncio que se instalou nesse quarto e em seu coração. Uruha está apoiado na porta de vidro que se abre para a varanda, de onde pode ver o horizonte sem enxergar qualquer coisa, além de seu pavor com o que o futuro lhe reserva.

Qualquer ruído vindo de dentro do quarto o coloca em alerta, voltando seus olhos para o moreno ofegante e suado deitado sobre a cama, tão fraco que todos temem que não consiga suportar mais um dia. Seu coração se aperta ao vê-lo assim, todos os pensamentos ruins sobre si mesmo e sua parcela de culpa circulando em sua mente, como uma maldição.

Resolve sair um pouco, buscar por alguns instantes de normalidade e alívio, onde não tenha que se ver no espelho e encarar o que fez ao ser amado, apenas por não acreditar nele. Caminha pela casa enorme, lindamente decorada, propriedade de um parente de alguém do Alice Nine... Apenas isso conseguiu captar da conversa de Tora com Kai dentro do carro, enquanto seguiam pela estrada. Seu pensamento estava longe demais, concentrado naquela respiração pesada e difícil.

Entra na sala, onde o guitarrista do Alice está adormecido, cansado da empreitada dos últimos dias, provavelmente sem dormir desde a noite anterior ao seu encontro com Uke. Sente-se agradecido pela presença dele, tão calmo no momento certo, quando os membros do GazettE não tinham cabeça para pensar em nada. Fica feliz por ele ter se acertado com Kai, afinal o baterista merece alguém que saiba valorizá-lo.

Antes mesmo que adentre a cozinha já é recebido pelo aroma delicioso de algo que Kai cozinha, sua expressão repleta daquele prazer que o moreno sempre sente quando coloca em prática seu passatempo favorito. E Yutaka é bom demais na arte culinária, provocando um ruído claramente audível vindo do estômago do loiro, que nem se lembra quando comeu pela última vez.

- O cheiro está me matando. – Sorri quando Uke se volta. – O que está fazendo de bom?

- Nada de especial. – Kai sempre fica sem graça quando os rapazes elogiam sua comida. – Um prato com melão-de-são-caetano refogado e um ramen apimentado de frutos do mar.

- Por Kami! – A boca de Kouyou se enche de saliva. – Assim eu desmaio de fome.

- Senta aí. – Aponta para um dos bancos junto do balcão. – Está pronto. Faço um prato pra você.

- Oba. – Diz cansado, toda a tensão e tristeza se abatendo sobre ele, junto com a fome. – Nem lembro quando comi... Acho que... Sei lá.

O baterista serve um prato reforçado para o amigo, que devora aquilo com gosto, soltando gemidos extasiados diante da maravilhosa iguaria. Observa Takashima, notando como todo esse sofrimento acabou com a vitalidade tão normal nele. Uruha é aquele sempre pronto a trabalhar, mesmo que seja um pouco lento, mas raramente reclama de cansaço... Só não gosta de ser apressado.

- Como você está se sentindo, Kou-chan? – Kai pergunta, sentando-se ao lado dele.

- Ele logo vai acordar e preciso ser forte. – Fala com uma convicção temerosa, como se a incerteza o estivesse incomodando demais.

- Não foi o que eu perguntei. – Segura a mão fina, fazendo o loiro erguer seus orbes chocolate. – Quero saber como você está!

- Eu estou arrasado, se você quer saber. – Evita encarar o amigo, sentindo uma profunda tristeza, parando de comer. – Eu fiz isso com ele. Joguei o Yuu nas mãos daquele desgraçado... E olha como... Posso perder a pessoa que mais me amou nessa vida.

- Takashima... – O tom do líder da banda é sério. – Você não fez isso com ele. Pode no máximo se culpar por ter sido um idiota ao acreditar naquelas acusações, mas... Acho que qualquer um de nós poderia ser enganado por aquela víbora. A responsabilidade é do Kaoru!

- Eu queria ter acabado com ele, mas... Sou um covarde. – A dor dentro de seu peito parece crescer cada vez mais. – Fiquei apavorado, como era quando o Kaoru me batia. Paralisei... Fui incapaz de reagir.

- Para com isso! Você passou pelo inferno, normal ainda ter medo dele. – Kai tenta sorrir, mesmo que só consiga esboçar um projeto disso. – Termina de comer. O Aoi precisa de você. Agora é o momento de estar forte.

Uruha nada diz, pois as palavras lhe faltam, diante da realidade do que disse o amigo. Termina a deliciosa refeição e se ergue devagar.

- Melhor voltar para o quarto. – Encara o amigo e tenta retribuir o leve sorriso. – Obrigado pela comida e... Por ser meu amigo.

Sai, passando novamente pela sala, percebendo que o aroma da comida já desperta Amano. Prefere apressar o passo antes que ele perceba sua presença, querendo demais que Kai e o novo namorado possam aproveitar o jantar juntos sem sua presença entristecida.

Sobe as escadas, apreensivo, temendo que Yuu tenha acordado, mas ao mesmo tempo desejando vê-lo de olhos abertos e dizendo que tudo está bem... Que não precisa temer, pois já está melhor. O médico chega de manhã, preparado para o tratamento de desintoxicação, coisa que o loiro teme demais.

Ao entrar no quarto é engolfado pela penumbra, apenas a tênue luz vinda do pôr-do-sol iluminando a criatura quase etérea e frágil sobre os finos lençóis brancos. Mesmo nesse estado essa imagem linda mexe com ele, observando a curva de seus lábios, o nariz bem feito, o rosto bonito.

Fica pensando em si mesmo e na atitude que tomou ao acreditar em todas aquelas mentiras. Como se deixou dominar por um ciúme doentio, que apagou de sua mente todo o empenho do moreno em salvá-lo e de todos os momentos lindos que passaram juntos. Como não se lembrou daquele passeio no shopping... Que o maldito usou naquela montagem?

- Você nunca vai me perdoar. – Diz quase num sussurro, mais para poder ouvir isso. – E não posso te condenar por isso.

Caminha até a porta da varanda, percebendo que uma friagem vem de fora, temendo adicionar um resfriado aos imensos problemas de Aoi.

- Ahm... – O gemido do moreno o desperta desse mar de auto-recriminação.

- Yuu... Você está me ouvindo? – Senta-se na cama, segurando a mão fria e trêmula. – Sou eu... O seu Kou-chan.

O corpo debilitado se debate um pouco, mas seus movimentos são lentos, quase em câmera lenta... Ou pelo menos essa é a impressão que tem o apreensivo Uruha. Segura firme a mão entre as suas, instintivamente temendo perdê-lo.

Os olhos negros se abrem devagar, ainda opacos e sem vida, demorando um tempo até que a consciência se torne uma realidade. A respiração forte e profunda evidencia sua dificuldade em manter-se vivo, a luta do guitarrista para não ser uma vítima de seu algoz.

- Uhm... Não... Eu... – Ainda tenta manter-se acordado, seu corpo sentindo a fraqueza que ameaça acabar com suas forças.

- Você me reconhece, meu amor? – Kouyou se coloca diante dele, sem tocá-lo, pois teme sua reação. – Não sou uma alucinação... Mesmo que possa estar com raiva de mim.

Os orbes se estreitam, buscando clareza e tentando interpretar aquilo que vêem, mas esse processo ainda é difícil para o cérebro já afetado por tudo que passou até agora. Aos poucos vai identificando o corpo esguio, o cabelo loiro caindo sobre o rosto lindo e triste, a boca bem feita... Esse alguém lhe traz um calor... Mas... Também dor e decepção...

- Ko-Kouyou? – Sua voz é quase inaudível.

Continua...

ooOoo

Pra todo mundo que achava que eu desistira dessa fic... AQUI ESTÁ! Sei que demorei bastante a atualizar e peço perdão aos leitores que ainda acompanham minha história. Acredito que voltando a um bom ritmo, logo consigo manter uma constância nas atualizações dessa e de outras histórias minhas.

Agradeço a minha beta e amiga Samantha Tiger Blackthorne e a todas as minhas amigas e cobaias, que nunca me deixaram desistir de escrever. Juro que quase o fiz, mas devido ao carinho de todas vocês e de alguns leitores queridos, estou voltando à velha forma.

Espero que gostem e COMENTEM!

25 de Janeiro de 2011

06:36 PM

Lady Anúbis