sob cristais e suas mentiras
bruna black
Você é um bom amigo, Tom.
Uma caligrafia infantil risca o papel grosso enfeitiçado. Confissões absorvidas em nanquim e os sonhos dela sempre tendem a naufragar. Até poderia sentir pena, dó, misericórdia de algo tão quebrado, tão esquecido, tão solitário. Escutar o que uma garotinha de doze anos tem a dizer é um bom jeito de ganhar sua confiança.
Ele não gosta de mim, Tom. Fiz papel de idiota hoje.
Aliás, esse era o seu maior dom: ser idiota demais pra si mesma e para os outros. Palavras medidas e ela conseguia acreditar e que eu era o único. O único que não a via como um nada. Que a via como ela me via. Um não-se-preocupe-tudo-será-esquecido. Sim, idiota o suficiente para acreditar em tudo que lia.
Ninguém se importa comigo. Eu sei disso. Ninguém se importa.
Não deve ter sido fácil ser a sétima. Mesmo que você fosse a menininha, a garotinha do papai, a queridinha do mais velho você continuava a ser a sétima. A última. A deslocada, pois mesmo com os cabelos vermelhos, as sardas no rosto e no corpo, ela não pertencia a eles. E, quando percebeu isso, começou a pertencer a mim.
Você é meu único amigo, Tom. E fico feliz por isso.
Uma lágrima acompanha seus traços no papel. E ela quis que eu estivesse lá, para secar suas lágrimas, para sussurrar no seu ouvido que eu estava ali de verdade, você-não-está-sozinha e todas as outras fantasias que teimavam em existir em sua cabeça. Eu as alimentava dizendo que ninguém a merecia e era por isso que nós estávamos juntos.
E eu acredito nisso também, Tom.
Ela acredita porque eu acredito. E não me culpa no começo, quando perde a memória e vê mais vermelho do que deveria. Confiança é uma coisa engraçada e chega a ser inacreditável o quão frágil pode ser a base em que foi construída. Ela construiu a dela em vidro e cristal e fechou a redoma com diamante. Era mais fácil me manter ali. Ela não queria que eu fosse embora.
O que está acontecendo comigo? Estou com medo, Tom. Me ajuda.
A vida ainda pode surpreender. Surpreender quando o lobo veste pele de cordeiro. Quando o assassino estende a mão para a vítima. Quando uma mentira contada milhares de vezes torna-se verdade. Quando ela pensou que eu poderia ajudá-la. Ajudá-la e se livrar do medo, se livrar de mim. Fui descuidado ao pensar que ela era tola demais para notar.
E quebrou a sua base de cristal e vidro com verdades que eu tentei negar. Possuía vermelho demais; quebrou mesmo assim. Pela primeira vez não me ouviu. Ela quebrou tudo. E se machucou, profundamente.
Mas não demorou muito para que voltasse. Ela precisava de mim. Ironicamente, era o único que poderia preencher aquele vazio secular que havia dentro dela. Era solitária demais para o seu próprio bem. Cristais ainda estavam quebrados e os vidros dentro dela, mas o diamante permanecia por sua pura escolha . Ela ainda não queria que eu fosse embora.
Você ainda confia em mim?
Eu não sei...
Um último favor e eu poderei ser seu amigo para sempre. Você ainda confia em mim?
Sim, eu confio, Tom.
Ah, ela ainda confiava.
Para a Destiny, porque não posso simplesmente agradecer pelo o que você me deu, mas um dia chego lá. Shade, você é amor. Agy, cateto da vida. Dri, você me salvou, obrigada, querida.