Disclaimer: InuYasha®. Rumiko Takahashi. Sem fins lucrativos.
A paz que expressava em seu semblante era quase perfeita.
Num movimento instantâneo, os seus olhos se direcionaram para o centro das atenções: Pôr do Sol, o fim do dia. Aquela leve coloração crepuscular vespertina¹ localizada no horizonte como um olho inchado, desfragmentando o discreto tom alaranjado que se ocultava na beirada de sua íris entre os borrões amarelos.
Não havia brisa ao redor para aguçar o olfato, entretanto, sabia que seria o dia de encontrá-la uma vez mais.
- Jaken, permaneça aqui com os outros. – Ordenou, simplesmente.
- Sim, Sesshoumaru-sama.
A faceta verde e maltratada do pequeno youkai contorceu-se naquilo que se poderia julgar curiosidade, apesar de, paradoxalmente, seu tom parecer firme ao arrastar exageradamente o 's'. E conteve-se em perguntar o motivo daquela ordem. Obediente, adoecia em sigilo, comendo as questões cruas, dúvidas que se acumulavam na garganta enroscando-se uma nas outras.
Paralelamente ás ações inválidas de Jaken, os orbes de Sesshoumaru pareceram cair sobre o corpo adormecido de Rin, que já deixava o rastro de um bom sonho na boca entreaberta. A saliva insípida deslizava até a ponta do queixo, gotejando pausada e repetitivamente no singelo kimono que trajava.
Em milésimos de instantes, a cabeça esquerda de Ah direcionou-se para ela que, num movimento inconsciente do sono, aconchegou-se na barriga quente do dragão enquanto encolhia os finos braços e deixava as mãos fechadas sob o queixo macio. Sem capricho algum, os fios pretos de seus cabelos encontravam-se esparramados no chão entre a grama curta e a crina do dragão ao seu lado, fazendo a cabeça direita de Uh abrir a boca para lamber-lhe a testa como se acariciasse a própria cria.
Um ato que surpreendeu Sesshoumaru como tão raras vezes havia ocorrido, mas não saberia dizer a razão se algum dia se questionasse.
- Problemas Sesshoumaru-sama? - A voz de seu subserviente arrastando, como sempre, exagerada e irritantemente o 's' fora o suficiente para tirá-lo do breve devaneio. Piscou de forma serena sem deixar de esconder, porém, a leve alteração em seu semblante.
Deu um passo firme á frente para o desespero do outro.
Jaken num movimento efêmero grudou as pálpebras, cílios contra cílios, preparando-se para um castigo que nunca viria; O lorde apenas prosseguiu com seu caminhar aristocrático, passando ao seu lado e lhe dando os ombros sem proferir um monossílabo sequer.
E fora neste momento que o youkai verde pôde suspirar em alívio e redenção passando a mão em sua testa incrivelmente fria e enrugada, enquanto observava a presença de seu mestre ficar longínqua entre a vegetação densa, passo-a passo, com a sombra de seu corpo projetando-se para frente de si e dos outros.
Encontro ás Escuras
Seria noite de Lua crescente, podia reconhecê-la com facilidade. Mal o Sol estava se pondo e já mergulhava floresta adentro a procura de sua perdição, o abismo pela qual se enfiou e que não mais sairia se houvesse opção.
Curioso como meses atrás não estaria pensando em algo do gênero.
"- E por que este Sesshoumaru aceitaria algo assim, humana?
- Eu suplico! Por apenas uma noite permita-me esquecer de tudo ao meu redor. E dele. Permita-me ter um alguém para acariciar, para despejar todo o pesar que carrego no peito. Em troca lhe direi onde encontrar Naraku. Apenas uma noite, eu lhe suplico. Uma e nada mais..."
Aceitara por motivo algum. Conseguia sentir o rastro de Naraku tão bem quanto um sacerdote, mas algo o impediu de rejeitá-la. No fundo, em seu âmago, apreciara a proposta.
E assim se fez.
Seria aquela apenas uma noite para nunca outra. Mas tornaram-se duas. E duas tornaram-se três e assim por diante. Quando acordou para a realidade, já era tarde. Encontrava-se com ela em toda a oportunidade que conseguia, em toda ocasião que o seu grupo se aproximava com a de seu meio-irmão.
Nesta noite nada mudaria, bem o sabia.
Ele a encontraria, a beijaria e sob a luz do luar compartilharia carícias e calor para tão logo deixá-la partir como uma desconhecida.
Paralelamente aos seus pensamentos, Sesshoumaru continuava com seu andar venerável², olhando quase sempre para frente e raramente para baixo. À sua vista, a trilha parecia não ter fim diante da ausência de luz.
O início do anoitecer forrava o céu com seu feixe mítico e as estrelas antes ofuscadas pelo Sol brilhavam perante a pouca luminosidade que a Lua crescente oferecia.
A pequena gramínea se curvava diante da ventania, fazendo os fios claros e compridos balançarem sorrateiramente nos ombros, de trás para frente, transcendendo-o a uma figura louvável em seu traje branco sem mancha ou suor. E instantaneamente junto à ventania, o cheiro dela entranhou-se em suas narinas, aguçando seu olfato.
Estava esperando por ele, não havia dúvidas.
Desviou-se de algumas árvores e pedras tentando ao seu máximo manter sua presença ignota, escondido nas sombras. De relance, parou seu caminhar e se pôs a observar o que tinha a frente;
Sim, lá estava ela, á quase vinte passos de distância.
Um ponto imaginário na grama era o alvo dos olhos perdidos de Higurashi. Estava alheia a tudo que a circundava, sentada sobre um milenar tronco de árvore, de pernas juntas, com as mãos repousadas entre os joelhos. Tão exposta e frágil. Quase proscrita.
Estaria ela pensando nos beijos que dava em um desejando o outro ou apenas sonhava como qualquer jovem humano de maus recentes dezessete anos?
Tola, disparate. Aparentava ser exatamente isso, analisou ele.
Kagome sabia que aqueles encontros se passavam de forma aleatória. Logo, ele poderia ir ou não sem quaisquer obrigações apesar de o mesmo nunca ter faltado. Aguardar por alguém que talvez não chegasse e estando tão exposta numa floresta habitada por outros youkais era bastante tolice. Tolice bárbara e pura.
Sesshoumaru a observava ao longe de seus próprios pensamentos. Tudo nela era atípico do que havia visto em seus quase seis séculos vividos. Os cabelos escuros e perfumados, as unhas quadradas e discretamente peroladas, as pernas á mercê de olhares alheios, a vestimenta exótica, delicada, mas vulgar. Absolutamente tudo era fora dos padrões que se julgava normal para uma fêmea humana. Quiçá na 'Era' em que a jovem dizia vir fosse algum tipo de comportamento e vestimenta padrão, mas ele não poderia prever. Os seres humanos, apesar de imprestáveis, conseguiam ser interessantes. Ela própria conseguia ser algum entretenimento.
- Pensei que não viesse. – Kagome indagou firme e espontaneamente como se a quem apenas aguardasse uma ação vinda por parte do outro. A troca de olhares veio momentos depois, de forma incômoda e impensada. A face inexpressiva de Sesshoumaru denunciava sua pouca receptividade ao contato social e seus derivados, um ato nada além do habitual.
Higurashi piscou antes de desviar o olhar. Simultaneamente ao seu primeiro ato, seus dedos magros enroscavam-se com os fios de cabelo de sua madeixa frontal repetidamente. Visto por outro ângulo, parecia buscar uma espécie de entretenimento do qual o youkai não saberia dizer com convicção se tal julgamento era verdadeiro ou se apenas era uma das muitas manias da garota. Permitiu-se vagar por aquela silhueta fina para instantes seguintes negar-se mentalmente de que a figura á sua frente lhe era agradável ao coração.
- Dessa vez tive que me mostrar zangada com InuYasha para convencê-lo de não vir atrás de mim. Fui clara, disse que queria um pouco de silêncio e privacidade, mas acho que ele desconfia de algo. Escutei alguma coisa a respeito antes de partir... - Infiltrada em suas preocupações, ela não percebia que por cada movimento feito, Sesshoumaru rapidamente captava seus sinais de cansaço.
Não houve resposta. Absolutamente nada naquele discurso instigava a curiosidade de Sesshoumaru.
- Há algo de errado comigo?
Humanos, formigas, qual seria a diferença? Viviam em sociedade e dividiam-se em funções. Brigavam entre si. Matavam-se por pouco. Eram apenas estranhos mortais com costumes ainda mais estranhos.
Adentro de seus próprios pensamentos outro suspiro profundo, do fundo da alma, vinda pela parte feminina da situação, levou-o crer que algo não estava bem. Sabia que havia mais palavras dos quais ela se negava a soltar da garganta; Os dedos a tatear a madeixa continuamente, as sobrancelhas franzidas e o olhar cabisbaixo a denunciavam.
Aproximou-se a passos firmes, tentando intimidá-la.
Embora fosse noite de Lua crescente, o satélite parecia brilhar tão forte quanto se estivesse com toda sua faceta voltada para a Terra. Kagome, por vez, ao erguer seu olhar para mirá-lo a poucos metros de si, conseguia ver de modo nítido que Sesshoumaru continuava a fitá-la com uma expressão indecifrável endurecida no rosto, sem indícios de irritabilidade ou tensão apesar de, paradoxalmente, os passos feitos anteriormente terem sido rígidos.
Obviamente nada poderia ser escondido daquele demônio secular. Por muito que lhe custasse, sobrou apenas devolver a mirada compenetrada. De ouvidos atentos, o silêncio que tomou o ambiente lhe assustava, parecia estar prestes a sussurrar uma palavra fatal. Quiçá fosse.
-. . .Talvez. . . Essa seja a nossa última noite.
Última noite. Mal havia passado um segundo após ouvi-la para que sua reação fosse instantânea. Estranhamente, o lorde pareceu se importar. Contraiu levemente as sobrancelhas, estreitando os olhos. Tinha consciência do que se tratava. O problema tinha nome e sobrenome.
- Não quero lhe causar futuros problemas.
- Ofende-me, sacerdotisa. Se InuYasha fosse um dos maiores problemas deste Sesshoumaru, ele não estaria a caminhar sobre a terra ainda. – Respondeu, ríspido.
Silenciaram-se tentando decifrar um ao outro. A ausência de ruído no meio daquela floresta parecia algo anormal de ocorrer, mas estranhamente aconteceu. Não se via ou ouvia nenhuma vida noturna entre as árvores ou na mata. Os olhos âmbares continuavam fixos nos azuis da jovem. E, pela primeira vez, Kagome almejou ter o poder de ler as entrelinhas daqueles olhos dourados e ver o lado bondoso que Sesshoumaru parecia ter arrancado de si.
Aproximou-se lentamente, não deixando de encará-lo ainda que sentisse um leve desconforto por tal ato. O coração batia forte entre os pulmões, parecia não haver espaço suficiente para bombear o sangue. Sentia-se muito nervosa. Por outro lado, o lorde youkai era uma formidável barreira inatingível, seu semblante pouco havia mudado.
- Faça como bem entender. - A séria voz de Sesshoumaru a fez se afastar dos inúmeros pensamentos que se passavam em seu cérebro. Piscou de relance, decepcionada, rompendo o contato. Um instante que conseguiu para disfarçar sua tristeza.
- Tão sério... - Rebateu num sussurro.
Distanciou-se de súbito do youkai há pouco tão próximo de si. Porém, de repente, sentiu um dedo levantar o seu queixo até alcançar seus lábios. Fitaram-se por centésimos de segundos, buscando ambos novamente decifrarem um ao outro. Poderia ser amor para ele também?
Um calafrio lhe subiu pela espinha ao sentir a fina carne de sua boca ser encoberta pela dele. O primeiro passo para um desfecho inevitável. Abraçou-o. Beijo-o. Eles faziam, como todos, gestos despercebidos de si mesmo.
Continua
○ Notas:
Eu tinha várias coisas a escrever neste meu espacinho, mas esqueci completamente t-u-d-o! Então, vou resumir: Primeira fiction. Segundo capítulo já feito.
Porém, em meio a tantas histórias mais interessantes, com autores de nome, estou completamente descrente de que alguém vá me notar por aqui ou escrever algum comentário. Sim, ler um comentário, não minto, seria maravilhoso, mas gosto de ser realista quanto a isso. Fiz meu melhor. Ponto.
Vocabulário:
Vespertina¹: Referente ao entardecer; sinônimo de pôr do sol.
Venerável²: Digno de respeito, grandioso.
Ignota: No texto significa discreto, mas ao pé da letra significa algo completamente ignorado.