CAPÍTULO 02

Renly nada dissera no caminho de volta ao castelo ou quando chegaram ao quarto de Robert. O jovem Lorde tirou a roupa imunda do menino e o mandou ir para o banheiro enquanto tirava as próprias roupas para tomar banho junto a criança. Este fora mais um de seus erros: desde que o navio do pai naufragara, ele passara tempo demais sendo o Lorde de Ponta Tempestade, enviando corvos e dando ordens, tentando fazer com que o castelo não naufragásse com o navio. O resultado é que Renly passara os últimos cinco dias nas mãos dos criados e Stannis ajudando a tirar os corpos do mar. Em nenhum momento desses cinco dias parara para pensar nos irmãos.

Quando Robert entrou nú no banheiro encontrou o irmãozinho de pé ao lado da bacia de água com o polegar direito na boca, os grandes olhos tão negros quanto seu espesso cabelo, bem abertos e atentos. Estava triste, mas não tinha mais cara de choro.

- Hey, bebê, você chupa o dedo? – Robert falou admirado. O garotinho nada disse e o outro pensou quão pouco dera atenção ao menininho desde chegara do Vale ao ponto de não notar algo assim. – Você está com raiva de mim?

O menino balançou a cabeça em negativa, totalmente concentrado no dedinho na boca. Robert se abaixou ao lado dele, pegou a vasilha e começou a derramar água sobre os ombros do garotinho.

- Você está… com medo de mim? – perguntou um tanto nervoso e dessa vez o menino não balançou a cabeça, só abriu ainda mais os grandes olhos. Robert achou que isso era um "sim".

Renly não dissera nada e deixou que o irmão mais velho esfregasse seus pequenos ombros e costas enquanto falava.

- Se você não tirar esse dedinho da boca, vou por pimenta nele – Robert brincou com a voz suave.

A criança tirou o dedo da boca e colocou as duas mãos para trás, como se temesse que o irmão fizesse aquilo naquele momento mesmo. Nunca faria uma coisa dessas, era brincadeira, mas o caçula era tão novinho que ainda não entendia isso.

- Papai disse que se eu continuasse chupando o dedo ele colocaria veneno nele – o menino falou e seu tom era muito preocupado. – Stannis disse que era brincadeira do papai, mas eu não tenho certeza.

A gravidade da situação parecia preocupar muito o menino. Seu irmão derramou água no rostinho tenso e lavou as marcas das lágrimas.

- E agora que nosso pai se foi, você achou que ninguém ia se importar – ele concluiu.

- Stannis disse que se eu parasse de chupar o dedo ele ia pedir para o papai me deixar ter um gatinho – Renly falou e seu tom transparecia dúvida. – Papai nunca me deixou ter um gatinho, mas ele nunca dizia não a Stannis. Agora vou ter que pedir a você?

Robert tentou não pensar no pai morto, apenas em como ajudar seu pequeno irmãozinho. Achou que um gato poderia ajudar a criança em um momento tão difícil.

- Se você parar de chupar o dedo, eu te dou esse gatinho que você quer – ele acentiu começando a tomar o próprio banho enquanto o menininho abaixava para limpar os próprios pés. Parecia já saber tomar banho sozinho. – Certo?

- Certo – Renly concordou. Robert achou que com certeza esse seria seu irmão favorito. – Mas… eu posso começar só amanhã?

- Começar ou parar? – brincou. O menino ergueu as sobrancelhas confuso. O mais velho riu. – É claro que pode ser só amanhã.

- Porque você bateu em Stannis? – perguntou inocentemente.

Robert o encarou se sentindo culpado. Não estava preparado para perguntas de crianças inocentes.

- Porque ele me desobedeceu – respondeu sem saber como explicar a uma criança de cinco anos sobre a hierarquia dos irmãos.

- Você vai me bater também? – o menino continuou fazendo Robert se sentir um monstro.

- Bater em você? Não, Renly. Digo... você pretende me desobedecer como ele fez? – perguntou.

- Acho que não – o menino respondeu pensativo.

- Então não vou bater em você – concluiu.

Terminou de tomar banho e se enrolou de qualquer jeito numa toalha, em seguida enrolou o menino em outra e o acompanhou até o quarto do caçula em silêncio. Lá dentro, o menino foi até a cômoda e escolheu um conjunto de vestes leves para dormir e as vestiu sozinho, se mostrando um homenzinho.

- Agora você vai se deitar e dormir um pouco, está bem? – Robert falou para o menino puxando as cobertas da cama para que ele entrasse de baixo delas.

O garotinho não se mexeu. Ficou de pé ao lado de Robert o encarando de forma teimosa.

- O que foi agora? – Robert falou com um suspiro.

Tivera uma filha no Ninho da Águia, uma bastarda linda que gostava de por no colo e beijar suas bochechinhas rosas, mas nem de longe sonhara que ser pai pudesse ser tão complicado como ser irmão mais velho de dois meninos.

- Eu posso ver Stannis antes de domir? – Renly perguntou com seus negros olhos brilhando de ansiedade.

Robert não sabia muito bem o que fazer. Estava com raiva do irmão do meio e se pudesse daria um castigo a ele por tê-lo provocado, mas o pequeno Renly não merecia castigo nenhum e o único irmão que ele considerava de verdade era o do meio. Seria maldade privar a criança de vê-lo.

- Tudo bem, mas depois você vai dormir – falou em tom sério.

- Certo – o menino acentiu. Robert notou que ele parecia gostar daquela palavra.

Quando sairam do quarto para ir ver o irmão, o menino automaticamente segurou a mão de Robert com a sua e o calor daquela mãozinha tão frágil na sua o fez sentir-se bem. Renly era sua responsabilidade agora.

Ao chegarem no quarto não bateram. Quando era bem pequeno lembrava que seu pai os proibia de trancar as portas do castelo, logo, nenhum dos dois meninos devia trancar as portas de seus quartos para nada. Era uma forma que Lorde Steffon achara para manter todos obedientes, qualquer porta trancada podía render-lhes uma surra, como descobrira uma vez ou outra. Colocou a mão no trinco e a porta se abriu sem opor resistência, provando que em Ponta Tempestades as regras de seu pai continuavam leis. Melhor assim.

O quarto estava um pouco escuro com as cortinas fechadas, embora ainda entrasse um pouco do sol que começava a esquentar lá fora. Ao lado da cama, Meistre Crassen estava sentado com cara de quem envelhecera vinte anos nos últimos cinco dias. Na cama, devidamente coberto pelas quentes mantas, Stannis dormia com a serenidade de uma criança. Robert tentou imaginar quanto tempo levara no banho com Renly. Considerando que o irmão do meio também devia ter tomado um banho antes de deitar, não era provável que tivesse dormido tão rápido.

- Dei-lhe um pouco de leite de papoula – o Meistre falou como se lesse sua mente. – Ele disse que não dormia há dias.
Robert acentiu com a cabeça enquanto Renly soltava sua mão e ia até o leito segurar a mão do irmão adormecido. A criança parecia muito preocupada.

- Ele vai ficar bem, Meistre Crassen? – indagou muito sério.

- Claro que vai, Renly – o Meistre falou, bondoso.

O menino segurou a mão do irmão entre as suas como se velasse um doente enquanto o Meistre ergueu a mão em direção ao cabelo de Stannis como se quisesse acariciá-lo, mas parou em seguida hesitante. Robert não podia deixar de pensar que o olhar do velho Meistre para o rapaz adormecido era de pura compaixão.

- O problema de Stannis é que nosso pai o mimou demais – Robert falou amuado – devia ter lhe ensinado seu lugar de irmão do meio em vez de deixá-lo vagabundear por Ponta tempestade como se fosse o herdeiro do lugar.

- Stannis é… complicado, meu bom senhor, - o Meistre respondeu pensativo – ele precisa de um pouco de atenção. Lorde Steffon so queria que Stannis fosse um pouquinho mais feliz.

- Queria demais – Robert resmungou. – Está bem, Renly, você já o viu. Hora de dormir.

- Ah… certo – o pequeno menino respondeu obediente.

Sem demora, Renly puxou a ponta do lençou que cobria o irmão e subiu na cama se enfiando sob as cobertas junto ao rapaz. Deitou-se a seu lado com cuidado para não o cordar, pôs um dedinho na boca e a outra mão deixou repousar sobre o corpo de Stannis, o abraçando. O Meistre puxou as mantas combrindo os dois para que dormissem melhor, como se fosse a cena mais normal do mundo Stannis e Renly dormirem juntos.

E talvez fosse mesmo.

E pela segunda vez no dia Robert se sentiu um intruso ali.

De algum ponto de sua mente veio a lembrança esquecida de seu pequeno irmão de quatro anos segurando um travesseirinho branco debaixo do braço e o lençol nas mãozinhas pedindo para dormir com ele. Não era Renly naquela memória, era Stannis, tão pequeno e frágil quanto seu irmãozinho era agora. Deixara de fazer parte daquelas cenas de família a muito tempo, nunca fizera parte da vida de Renly. Agora, o único irmão que conhecia era Ned e ele estava longe demais.

Robert estava sozinho.