4 anos depois:
Milo corria floresta adentro. O coração acelerado, a camiseta suada colava ao corpo e revelava o abdome bem definido. Os sentidos aguçados tentavam manter o loiro a par de todas as ocorrências. Em uma das mãos tinha um arco, nas costas uma sacola de flechas e na cintura um punhal, só por precaução.
Já era tarde da noite e a única coisa que ajudava o britânico a enxergar era a claridade da lua cheia. Estancou perto de uma árvore, puxou firme a flecha na corda e esperou. Bufava baixo, visivelmente cansado. O suor corria-lhe o rosto apesar do frio da floresta. Estava naquele jogo de gato e rato há três horas e não previa hora de acabar, mas ele já estava se acostumando. Em uma semana completaria dois anos que estava treinando na prática o que era ser um Hunter. Ainda assim se sentia um tanto despreparado.
Ofegava baixinho enquanto o ar se condensava ao sair de sua boca e entrar em contato com o ar frio do ambiente. Não sabia o que faria, pensou então em uma emboscada. Mas ficar parado ali não parecia estar adiantando muito. O loiro era assim, impaciente, urgente, queria ver os "finalmentes" de tudo.
Ouviu um barulho e logo se alarmou. Apontou o arco e se desapontou ao ver que se tratava apenas de um grasnar de algum corvo. Voltou à posição inicial, escondido, mas por descuido, pisou em um graveto seco produzindo um ruído alto. Não houve muito tempo para pensar no que havia acontecido ou no que faria. Milo só sabia quem um enorme vulto negro pulara em sua direção. Fora descoberto. Mirou e foi firme no tiro. Era muito bom com o arco, mas seu inimigo pegou sua flecha ainda no ar, caindo à sua frente e lançando seu arco para longe, num tapa forte.
O loiro recuou e por instante quase caiu, escorregando nas folhas escurecidas da floresta e o chão úmido e fofo fazia suas botas se enterrarem. O outro continuou a desferir-lhe golpes fortes e sucessivos, que Milo desviava com a destreza de um militar. Pôs-se por trás de seu inimigo e passou o braço pelo pescoço, enforcando-o. Milo era ligeiramente mais baixo, então lutava para manter seus pés no chão a cada arrancada do outro. O solo escorregava sob suas botas, e o ser com quem lutava tinha muita força. Apertava firme o braço intentando extinguir todo o ar daquele oponente. Agarrou-se nos grossos pelos de seus ombros ao sentir-se sair por inteiro do solo. Mas nem isso impediu que o inglês fosse lançado contra o troco de uma árvore.
Ao vê-lo se aproximar, o loiro se aquietou no chão. Bufava leve, procurava não se mexer, sentia o gosto da terra. Os olhos estavam semiabertos apenas para ver o caminhar lento e feroz. Ao senti-lo próximo o suficiente, Milo puxou o punhal da cintura e acertou-lhe o braço. Certeiro! Ouviu um grunhido nervoso e logo o tinha em seu encalço de novo.
Olhando fixo para o forte oponente, Milo passou e cadenciar golpes duros, mas não muito certeiros. Armas de corte não eram sua especialidade. Mesmo seu ataque estando um pouco desajeitado, o inglês ainda era ofensivo o bastante para fazer o ferido recuar cada vez mais. Estava no controle. E gostou disso.
Queria acuá-lo, ver medo em toda sua linguagem corporal. Passou a saltar em torno dele e a ataca-lo firme em cada salto com chutes e golpes do punhal, que foram defendidos. Seu oponente assumira posição totalmente defensiva e isso só deixou Milo mais confiante.
O loiro parecia brincar com o outro. Tão confiante ficou, que sequer viu de onde viera a rasteira que o derrubara. Não teve tempo nem de se localizar e sentia o peso do outro sobre suas costas, forçando seu rosto contra o solo.
Doía cair. Doía muito no inverno. Doía mais ainda em seu ego.
- Chega! – A voz de Benson fez-se ouvir.
Em obedecimento, Milo foi largado sozinho ao chão. Levantou-se devagar, não queria encarar o avô depois de um fracasso.
- Valentino, esteve ótimo. Mais uma vez obrigado por me ajudar com Milo.
O Hunteritaliano despiu-se da grossa capa de pelos, usada durante o todo aquele dia de treinamento. Tentava imitar um lobisomem. Era bem forte com certeza, mas não tão alto quanto o monstro de ciclo lunar. Porém, para um treino, Valentino era mais do que adequado. O braço tinha um corte superficial, mas extenso, feito pelo punhal de Milo. Pediu licença ao mais velho e adentrou a mansão a fim de tratar-se.
Milo se encolheu e apertou os lábios ao ver o avô se aproximar dele com uma cara não muito boa. Já tinha vinte anos, porte másculo e músculos bastante desenvolvidos por todos os estilos de luta que aprendera. Mas ainda assim, o olhar severo e a cabeleira branca do avô lhe assustava como se ainda fosse um garotinho.
O grisalho bufava baixo, impaciente com o erro estúpido do neto. Será possível?! Esse menino às vezes parecia não levar nada a sério. Quanto tempo mais Milo acharia que o teria ao seu lado? Já estava ficando velho, a vista já não era boa como antes, as juntas doíam. Não queria cometer o mesmo erro que com o filho, não queria que Milo ficasse desamparado. Queria deixá-lo capaz de se proteger.
- Milo... O que foi aquilo que vi agora?
- Eu quase ganhei, vô. – O loiro sustentou um olhar firme. – Eu iria ganhar se não fosse...
- Se não fosse sua mania estúpida de querer se mostrar! Pra que todos aqueles saltos e piruetas? Achava que estava onde? Num palco?! Se fosse real poderia ter perdido a vida, Milo!
O inglês mais velho tinha as sobrancelhas franzidas e o senho ranzinha.
- Nada nunca está bom pra você! - O loirinho tremia indignado. – Eu sempre tento te impressionar, mas nada nunca é o suficiente!
- Não é pra me impressionar que você tem que se esforçar, garoto! É pra sobreviver! – O avô exasperara-se a ponto de sentir mais uma vez aquela dor no lado esquerdo do peito, onde pôs a mão, assustando Milo. Era aquela dor de novo. Que irradiava para a face interna de seu braço esquerdo e parecia comprimir seu coração.
- Vô! Vô, desculpa! – O neto segurara Benson de forma a apoiá-lo, para que não caísse. – Eu vou prestar mais atenção, eu juro!
- Tudo bem, meu filho. Não é hoje que este velho vai morrer. – Ele arfou baixo, sentindo a dor esvair-se aos poucos. – Vamos, me ajuda a entrar em casa, sim?
Milo assentiu e apoiou o avô até a entrada de casa, insistindo para que chamassem um médico. Tanto fez que Benson acabara por ceder. Era bom que assim, também providenciaria alguém que cuidasse de Valentino. Nada mais justo que ele pagar o médico para tratá-lo do ferimento que seu neto causou.
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Lá estava ele. Com aqueles escuros cabelos revoltos pingando a água do banho que tomara, o pijama largo mostrando um tanto do peito desnudo. Hm... Italianos eram interessantes.
Adorava fins de semana. Tinha mais tempo para passar com Milo, mesmo que este estivesse sempre treinando. De qualquer forma, ele gostava de ver. Principalmente pelo moreno à sua frente.
Certo, não gostava muito dessa coisa de espiá-lo pela porta semi aberta, mas o italiano nunca fora muito dado à intimidades com ele. Valentino era muito bonito e forte. Nem reclamara quando o médico viera dar-lhe alguns pontos.
- Moleque, vai ficar aí olhando de longe ou que? – O moreno disse, emburrado, assustando o inglesinho franzino, que sempre ficava com o coração na boca ao ser pego.
Impressionante como mesmo de costas, Valentino sempre sabia quando ele estava lá.
O loiro entrou, engolindo em seco ao conseguir vislumbrar a face tensa e masculina do outro. E ainda enfeitada com aquelas esferas azuis escuras tão lindas.
- Me desculpe. Vim ver como estava. – Torrell caminhava lentamente para mais perto do italiano, que estava sentado na cama.
Sentou-se na macia poltrona cor de vinho ao lado do outro e lhe encarou, meio sem saber o que dizer. Ouviu Valentino dar uma baixa risada sarcástica.
- Sei... – O loirinho corou com o comentário. Mas o italiano não se importava muito. Apenas largou-se um tanto mais em sua cama e acendeu um charuto, sugando-o como se buscasse ar e soltando a fumaça pra cima, divertindo-se ao vê-la sumir no ar da mesma forma que sumiam alguns demônios quando mortos.
Afrodite não gostava nada daquela mania de fumar que o outro tinha. Tinha um cheiro tão desagradável. Torceu o nariz.
- Então... Creio que passo muito bem. – O moreno virou o rosto para o loiro em um sorriso displicente e abusado.
Via o modo como o mais novo o olhava. Sabia que o devorava com os olhos sempre que o via, assim como estava fazendo agora. Sequer sabia disfarçar... Tão inexperiente. O inglesinho até que era bonito. A verdade é que lhe lembrava de uma mulher com aqueles cabelos compridos e de cachos definidos como os de bonecas, os traços delicados do rosto e corpo, a aparente fragilidade. De vez em quando se recusava a acreditar que aquele serzinho tinha mesmo um pênis entre as pernas. Já pensara em pedir pra ver, de outra forma não acreditaria, mas... Não seria nada educado. Riu-se em silêncio, sob o olhar atento do loiro, que mordia os lábios suavemente, decidindo o que falar.
- Parece que sim. Bem... Vou deixar-lhe dormir. Não quero incomodar sua recuperação. – Levantou e dirigiu-se à porta com a elegância de um nobre.
- Moleque! – Chamou o italiano e o loiro virou-se aturdido ao ver o outro levantar de sua cama e vencer os poucos passos que havia entre eles, ficando frente a frente com ele.
Afrodite podia ver-lhe o rosto com clareza. A pele morena bonita, as sobrancelhas grossas, o queixo forte...ah, aquela barba mal feita. Guardou para depois um suspiro, pois por hora faria questão de manter-se firme.
O italiano se aproximou mais, fazendo o loiro encostar no batente da porta. Levou o rosto próximo da orelha do inglês, sussurrando-lhe:
- Não deixe que monstros te peguem de noite. – O moreno riu debochado e Afrodite, antes embasbacado, agora fechou a expressão e tomou o deboche como ofensa.
– Boa noite. – O loiro virou-se e saiu pisando duro porta à fora.
Valentino riu, achando graça da ingenuidade do rapaz. Bem... Era melhor dormir.
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Já era tarde da noite. Afrodite dormia, mas Milo continuava sem sono. O avô lhe pregara um baita susto. Talvez fosse melhor checar seu sono.
O loiro levantou e caminhou para o quarto do avô. Girou a maçaneta e entrou, mas apesar do breu do quarto pôde ver que o mais velho não estava ali. Estranho.
Seus sentidos se alarmaram. Um Hunter como era, sempre esperava que estivesse acontecendo o pior. Pegou um punhal antigo que o avô guardava sobre a cômoda e seguiu pelos corredores da casa à procura do avô. O punhal estava em riste. O avô melhorara aquela arma alguns anos atrás, fizera-a com sal, de um monastério tibetano, fundido a uma liga metálica resistente. Feria muitas criaturas.
O rapaz ouviu a voz do avô, baixa, através da porta fechada de seu escritório. Mas ele não estava só. Milo ouvia a voz de um homem vez ou outra. Imaginou o avô em perigo e abriu a porta de supetão, entrando e já empunhando a arma em direção ao estranho à sua frente.
- Afaste-se do meu avô! Agora!
Milo não sabia bem o que ele era, mas tinha certeza que não era humano. Aqueles olhos vermelhos, a orelha levemente pontuda e a cauda o denunciavam.
Apesar do Durant mais novo estar fazendo sua cara mais ameaçadora e aproximando cada vez mais o punhal do corpo do ser à sua frente, o rosto do outro continuava calmo e impassível, como se estivesse olhando um filhote de cachorro.
- Milo abaixe essa arma. – O avô pediu calmo, mas o neto continuava empunhando-a em direção ao abdome do outro enquanto olhava fixo os orbes intensos do ruivo.
Pensando bem... Ele não parecia um monstro qualquer que já tenha visto. "É muito bonito pra ser um monstro", o loiro pensou, chacoalhando a cabeça logo em seguida. Que absurdo.
- Ele é o que? – Milo fez um movimento com a arma em direção a Camus, que sequer se movia. Parecia até entediado. E isso estava irritando Milo.
- Sou um demônio, moleque. E pare de forçar essa cara de mau, não combina com um fedelho como você. Já teria te matado se quisesse.
O ruivo alfinetou. Não deixaria esse pivete se achar pra cima dele como se estivesse o encurralando. Ainda mais um amadorzinho que claramente não sabia lidar com um punhal com maestria.
Milo aproximou-se mais, encostando a ponta da lâmina no corpo do demônio. Estava tão próximo a ele, que esperava que o ruivo pudesse sentir a raiva que o loiro tinha agora. Ele era arrogante e tinha um sotaque francês irritante. Estava na Inglaterra, um péssimo lugar pra ter sotaque da França.
Benson pensou em interferir, mas Camus parecia estar calmo e saber lidar com aquilo. E com certeza não machucaria seu neto. O demônio podia até fazer-se de cruel, mas Benson sabia que não o era. Camus e o neto se encaravam sérios, como se disputassem território. Como uma briga de garotos. O Durant mais velho quis rir. O demônio nunca fora dado a aceitar provocações, mas agora estava pareado com o neto, um tentando intimidar o outro para provar que era mais forte. Não que Camus precisasse provar, afinal, com certeza Milo não era páreo para um demônio de sua estirpe. O neto era ainda novo e rebelde e seu treinamento.
O que provocara o interesse de Benson é que Camus aceitara a provocação de Milo, mesmo sem precisar. E o engraçado era que... Talvez... O demônio nem estivesse se dando conta disso. "É, meu neto. Ninguém fica indiferente a você. Ninguém mesmo." O mais velho pensou, achando graça.
Milo fazia força para manter-se nervoso com o demônio. Quanto mais olhava seu rosto, mais o achava bonito e ficava encantado com aquela sua beleza. Seus traços eram delicados, mas firmes e tudo nele era harmonioso. O garoto já quase esquecia de que ele era um inimigo até o ruivo bufar de um jeito sarcástico.
- Não me provoque! – Milo ameaçou.
O demônio segurou a mão que Milo usava para empunhar a arma, e o inglesinho tremeu ao seu toque. Apesar de Camus segurar-lhe a mão, não o desarmou ou o afastou de seu corpo. Ao contrário do que o loiro esperava, o ruivo forçou-o a empurrar o punhal em direção ao seu abdome.
Que demônio maluco! Estava se ferindo!
Benson arregalou os olhos diante da ousadia de Camus. Com certeza ele não teria feito isso se fosse danoso, mas aquela arma era bastante poderosa pelo sal infundido em toda sua extensão. O inglês tinha cada vez mais noção de que não conhecia o real poder do ruivo.
Camus retirou o punhal de dentro de seu próprio abdome e finalmente soltou a mão de Milo, que olhava para o local onde o perfurara. Estava levemente molhado com sangue, apenas isso. Não vazava como seria normal a um humano. E o demônio não tinha nenhum sinal de expressão de que aquilo fora doloroso ou que o ferira.
- Você não pode me matar com essa coisa, menino. Vá crescer!
Milo olhava do punhal para o rosto do demônio e dele para o avô que parecia tão chocado quando ele.
- Benson,espero que amanse esse moleque abusado. Da próxima posso não me segurar. Quanto aos Hunters do norte que você me perguntava, receio que não tiveram tanta sorte quanto seu amigo italiano. Há meses não tenho relatos de atividade humana no caminho dos demônios. Mas... Depois do ataque do seu netinho, não pretendo me demorar muito. Acho que você precisa trocar as fraldas dele. Crianças ficam irritadiças quando sujam as calças.
Milo, que estava pasmo até agora, voltou a fechar a cara.
- Ora, seu..!
Diria algum palavrão, mas o demônio sumiu. Desaparecera e agora só tinha leves brumas onde segundos antes ele estava parado. Já não vira isso antes? Hm...Não importava agora.
Alguns instantes de silêncio, em que Milo continuava a olhar o punhal.
- Vô... O que... Aquilo... Fazia aqui? – O neto fechou a expressão.
- Camus. O nome dele é Camus.
- É um demônio! – O loiro jogou a arma no chão.
- Milo, não tem o direito de levantar a voz pra mim. – Benson o olhou severo e o mais novo olhou para o chão. – Camus estava aqui para me trazer informações dos grupos de caçadores do Norte. Ele é diferente, Milo...
- A troco de que ele veio te ajudar?
- De nada. Ele é diferente.
- Não acredito em bondade nesses seres. E você me ensinou a não acreditar. O que há?
- Milo, a maioria esmagadora de criaturas feito Camus são realmente ruins. Não imaginava que pudesse haver um com pensamento feito o dele. Já vivi muito e fui enganado muitas vezes. Sei reconhecer o mal quando o vejo, e Camus não o tem.
Milo torceu o nariz, mas ficou quieto. O avô não era homem de suportar desacato ao que dizia.
X.X.X.X.X.X.X
Algumas semanas haviam se passado desde o incidente com o avô, mas Milo desde então não parara de pensar no demônio. Não era um absurdo? Um demônio em sua casa, falando com seu avô como se fossem amigos antigos? Isso ia contra tudo o que aprendera, tudo o que lutara.
- Será que pode desamarrar essa cara, Valentino? – O loiro alfinetou. Já que não tinha o que fazer sobre o ruivo, atormentaria o amigo.
- Não gosto de fazer compras. – Ele voltou a cerrar o cenho, olhando irritado para Milo.
Se não fosse a mania do Durant de fazer as vontades de Afrodite, ele não estaria rodando lojas como uma madame. Odiava aquela frescura daqueles ingleses!
Puxou as sacolas mais pra cima nos braços e continuou a andar. O amigo afeminado de Milo se enfiara em alguma loja e agora tinham de procurá-lo.
Milo gostava daquilo tudo. Não que fosse um fã de lojas e alfaiates, mas... Sentia-se normal naqueles momentos quando se deixava levar pelos impulsos de Afrodite. Havia sumido há alguns minutos, começava a se preocupar.
Mas não durara muito. Logo viu o loirinho sair correndo de uma loja e puxar Valentino pelo braço, fazendo-o derrubar uma das sacolas e tirando risadas de Milo.
- Não quero ver roupa nenhuma! Isso é coisa de mulherzinha. – O italiano olhava emburrado.
- E por acaso anda Pelado? Não sei como são os modos na Itália, mas aqui andamos vestidos! Então não reclame. – O inglesinho disse, arrebitando o nariz. Milo prendeu uma risada.
Nesses anos em que estiveram juntos, a paixonite de Dite só fazia crescer, mas ele não acreditava muito que um turrão feito o italiano ia corresponder ao seu amigo. Queria só ver como Afrodite convenceria ao italiano a entrar num alfaiate e ficar tirando medidas.
Abaixou-se para pegar logo a sacola derrubada para juntar-se aos amigos. Arrepiara-se ao fazê-lo.
Milo olhou em volta e nada viu. Desde que encontrara o ruivo passara a sentir certos arrepios de vez em quando, como se estivesse sendo vigiado.
Será que estava desenvolvendo algum tipo de mediunidade? Nunca tivera daquelas coisas. Apertou o punhal que levava dentro do casaco e passou a olhar com mais atenção. Sentia a presença de algo, não sabia do que ou de onde.
Seu avô e Valentino sempre lhe ensinaram a lidar com fatos, pistas e provas. Algumas intuições também, todo caçador as têm. Mas.. Aquilo erma mais do que uma intuição. Era um alarme soando alto em sua mente e ninguém lhe ensinara a lidar com isso. Todos os seus sentidos pareciam avisá-lo de algo ali. Fechou os olhos. Já que não era algo que pudesse ser visto, talvez sem a visão prestasse mais atenção em seus outros sentidos. Quem sabe não descobriria o foco desse alarme mental.
Tentou fixar seu pensamento em algo, mas não conseguia saber no que. Era muito complicado! Estava prestes a desistir, quando ouviu um barulho e abriu de novo os olhos.
Um objeto de metal brilhava ameaçadoramente perto de si, um assaltante mirava a arma pra ele e estava a centímetros de o atingir. Puxou o punhal, mas não precisou chegar a usá-lo. O homem contorcia-se à sua frente, como numa guerra interna de decidir se o apunhalava ou não. Milo puxou uma bombinha de água benta e quebrou-a em sua própria mão, respingando a água no bandido. Se fosse um demônio, reagiria ferido. Mas nada aconteceu.
Durant apenas se afastou e continuou a observar a cena. Nunca vira coisa parecida. Parecia uma possessão, mas se fosse a água benta surtiria efeito. Tocou-o com um rosário de ferro puro, se fosse um espírito vingativo, não ficaria no corpo do mortal por mais tempo. De novo nada aconteceu.
O homem parecia apenas estar louco. Seu braço puxou-se para trás e o bandido caiu no chão em dores e parou de se contorcer em seguida. Arfando, olhou para Milo assustado. Estava lívido como se o loiro fosse um bruxo. E o Durant pôde ter certeza de que o assaltante achara que ele provocara aquilo.
O bandido magro correu por entre as pessoas, fugindo como um louco. O que diabos acontecera ali?
Não poderia se tratar só da loucura humana, poderia?
- Milo! – Valentino chamou. – Seu amigo vai me deixar louco! Venha cá e cuide disso! Não aguento mais.
O italiano viu o olhar perdido de Milo e balançou-o rude pelo braço.
- Caralho, Milo! Que cara é essa de que viu um demônio? Que aconteceu?
- Não sei... Sinceramente, não sei. – O loiro focava um ponto específico mais afastado. Estava desconfiado.
Seja lá o que tivesse acontecido com aquele homem, salvara sua vida. Talvez não tivesse sido rápido o bastante para se defender do golpe, visto a proximidade em que o outro estava.
Xingou-se por ser desatento. Estúpido! Deveria treinar alarmes inconscientes dentro de casa, não no meio da rua.
- Ande, vamos andando. Você não deve estar se sentindo bem. Tem... Olha só... Meia hora que você comeu e não está reclamando de fome! Algo deve estar errado! – O italiano zombou e Milo acertou-lhe um soco no braço.
Ele olhou Milo e o italiano se afastarem e se juntarem a um terceiro. Garoto estranho esse neto de Benson. Que tipo de Hunter fica meditando de olhos fechados no meio da rua?
Sabia que aquele garoto era encrenca. Se não tivesse intervisto, o moleque poderia estar ferido.
Na velocidade de uma batida de coração, sumira dali e voltara para onde pertencia. Tinha de prestar contas dos novos acordos, dos novos recrutas, dos antigos demônios rabugentos e sem perspectiva. Aquele lugar não andaria sem ele.
Mal aparecera ali e já fora interpelado algumas vezes. Já fazia as coisas maquinalmente há algum tempo. Andava pensativo sobre que realmente era importante. Mas já estava acostumado àquele lugar.
O tom fúnebre das cores fortes, os sons de agonia que repercutiam, o avermelhado da atmosfera, o calor extremo e o frio extremo. Sim, nem só de calor se fazia o inferno. Cada espaço era de um jeito, nada ali era constante. Só o sofrimento.
Mas aquele ambiente bagunçado, que para muitos era a única representação do inferno, não era seu. Era um demônio de visão, era diferente. Todos sabiam. E isso o fizera influente ali.
Andou mais uns metros até um pequeno totem no centro daquele amplo lugar, onde vários demônios tocavam e desapareciam. Cada um para seu próprio ambiente.
- Ora, ora. Onde esteve, Camus? Quase senti sua falta. – O demônio, que também esperava para voltar ao seu lugar, riu com escárnio.
- Em lugar algum, Zenon. – O ruivo sibilou. Não gostava daquele ser peçonhento.
- Engraçado. Pensei que estava tentando entrar para os escoteiros... Salvando humanos indefesos. – O sorriso de Zenon alargou-se. Sabia que Camus odiava que se intrometessem em seus assuntos.
- Receio que não. Tenho competências demais a tratar aqui para dar atenção ao escotismo. Mas, se eu souber de algo desse nível te mando um memorando. Vejo que deve estar precisando de algo a se ocupar, já que tem tempo de sobra pra cuidar da minha vida. – Camus respondeu altivo, ignorando a fúria de Zenon.
O ruivo pousou a mão também e o totem abriu o portal para seu local naquele momento. Uma sala ampla. Um escritório no alto do inferno. Tinha boa visão dali e privacidade o suficiente.
Com certeza uma sala tão equipada e preparada quanto o melhor dos edifícios da Terra.
Ele deu um meio sorriso em deboche, quem diria que um lugar tão buscado pelos humanos não seria uma das faces do inferno?
Mas até que ele gostava. Não era de todo ruim. Se enfiava nos seus trabalhos e planos até ter que subir outra vez. E não tinha de ficar ouvindo lamúrias de sofrimento, gritos, o fedor do sangue e da morte. Tudo isso era a realidade de demônios baixos, não a sua.
A verdade é que Camus era bom e produtivo demais para ser tratado como qualquer um. Como ele haviam poucos, mas até o inferno sabia valorizar uma mente brilhante. Todos eles tinham o que precisavam para renderem mais.
E também, ele não teria que aguentar chatos como Zenon.
Zenon era o tipo de demônio de quantidade. Só servia para ser mais um no trabalho, mas sempre importunava Camus quando podia. Não só pelo ruivo ser mais estimado, mas também por ser mais jovem e mais bonito.
Na verdade, poucos demônios tinham a beleza de Camus. O que foi causa de grande estranhamento entre os outros, era como se ele fosse uma aberração. Mas seu brilhantismo e lábia eram tão eficazes que não havia como questionar sua importância. O número de almas no inferno crescia exponencialmente e todos atribuíam isso a ele.
O ruivo nunca concordou com isso. Sua ideia "iluminada" de um dia soprar a ideia de indústrias e tecnologia nos ouvidos de humanos tinha sim o intento de dar-lhes corda para se enforcarem nos seus próprios sentimentos mesquinhos. Como a inveja, a avareza, o egoísmo. Quanto mais o homem tivesse, menos queria distribuir.
Camus só não sabia que daria tão certo.
Mas de uma coisa se dera conta ao ser interpelado pelo outro demônio: Não deveria ter ido ao encontro de Milo.
Desde que vira o loiro, coisas sem sentido passavam em sua cabeça. E o que aquele moleque burro faria com a maldição de família que tinha? Era óbvio que todo tipo de monstro e demônio perseguiria a família Durant incansavelmente, eles eram um chamariz para o olfato de todo ser místico.
Ainda se lembrava das palavras de agouro que foram lançadas sobre a casa dos Durant.
" Teu prazo se esgotou... Não há mais desculpas ou tempo. A partir deste dia, tu e todos os teus descentes serão feito ímãs para o olfato de toda besta existente. Serão perseguidos, caçados e devorados até que toda tua linhagem pereça. "
O inferno todo tremeu àquele dia. Ele próprio se arrepiara. Não era comum maldições hereditárias, que caíssem sobre toda uma linhagem. Será que Milo sabia que ele desfilava por aí atraindo tanto quanto um bife jogado aos cães famintos?
Mas porque se preocupar? Não era problema seu, mas vinha tendo muito esse tipo de reflexão.
- Merda, Benson! – O ruivo praguejou. Porque tinha que ter ido lá e topado com aquele loiro?
Aquele neto irritante dele, começara a povoar sua cabeça e trazer dúvidas do que realmente ele fazia ali. Qual era o sentido de viver eternamente buscando métodos eficazes de encher aquele lugar de almas?
Porque estar ajudando aquele lugar de agonia a crescer? Ser por toda a eternidade a figura daquele que cria métodos para encher os bolsos do diabo?
Mas no que estava pensando?
- Merda, Benson! – O demônio apoiou o punho na testa, contrariado.
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Eu sei, demorei. rsrs Espero vocês no próximo capítulo também. Grande beijo. ...Reviews:
Mas é culpa das minhas provas. Anyway... Obrigada a todo mundo que vem acompanhando a fic e a mim nessa jornada.
Escrever fic nem sempre é moleza, mas vocês tornam o dia dos escritores melhor. E não é pouca coisa. rsrs
Então... Agradeço a todos e todas.
Lappistif: Muito obrigada pela review! hsuahsu Então... Espero agradar você e aos prováveis outros fãs de supernatural. Essa não é bem minha área de escrita, mas vou tentar fazer meu melhor.
E bem... O encontro dos dois aconteceu. Bem menos dramático do que eu tinha planejado, mas achei melhor assim. rsrs
Sim... MDM é um belo de um papa anjo! shaushua Mas o Dite bem que gosta neh?
Espero que curta este capítulo tb.
Bjos, até o próximo.
ploc: Fico feliz que tenha gostado! Muito obrigada pela review.
Espero que goste deste capítulo. Vamos ver como ficarão as coisas entre os nossos amores. rsrs
Beijos.
