E PARA COMEÇAR, VOCÊ VAI DANÇAR


Terminal de Cruceros Quinquela Martín. Buenos Aires, Argentina.

Obviamente, a chegada inesperada do RMS Titanic II causou grande alvoroço no terminal de cruzeiros. Assim como Liz, Shaka, Catarina e Aioria, muitos dos que ali estavam tentavam, sem sucesso, deixar a capital argentina. A procura por passagens foi enorme, mas somente alguns conseguiram obtê-las. Sendo assim, após algumas horas, o terminal ficou praticamente vazio. Tal como a Musa da Dança, poucos dos que ficaram questionavam a drástica mudança na rota do navio. Consideravam-na mais como a solução para os seus problemas do que um problema a mais.

A Musa da Tragédia, porém, não pensava assim:

_Algo está muito errado – ela disse.

Liz discordou:

_Foi difícil, mas nós conseguimos passagens. Para mim, tudo está muito certo.

Shaka de Virgem concordava com Catarina:

_Pelo que sabemos, o navio chegou aqui com a sua capacidade máxima preenchida. Se nós conseguimos passagens, quer dizer que alguns dos que estavam a bordo desembarcaram.

_Exatamente – Catarina concordou. – Mas quem, em sã consciência, desembarcaria numa cidade atacada pelo caos em vez de seguir viagem?

Aioria, por sua vez, queria apenas sair dali:

_Por que nós simplesmente não embarcamos no navio?

_Ah, Aioria... Eu bem que gostaria que fosse assim, tão simples. Por mim, você poderia me desenhar como uma das suas garotas francesas naquele navio – o cavaleiro de Leão não entendeu a referência ao filme de James Cameron. – Mas eu sinto que algo está errado. E muito.

O apito do Titanic II soou anunciando a sua partida iminente, e o grupo não teve mais tempo para divergências. Se algo estava errado ou não, eles somente descobririam durante a viagem.

Santuário. Salão do Grande Mestre.

Shion caminhava de um lado para o outro, preocupado e visivelmente cansado. Tempos de guerra pediam medidas extraordinárias de segurança, as quais ele implementava com afinco. No entanto, outras questões e preocupações surgiam sem aviso, e ele percebeu que precisava de ajuda. Sendo assim, convocou o seu grande amigo, o cavaleiro de ouro de Libra, para tratar dos assuntos pendentes.

_Novos cavaleiros precisam ser consagrados à deusa o quanto antes. Não devemos manter armaduras ociosas em tempos de guerra, mas não quero cavaleiros despreparados em razão das circunstâncias. Por isto, solicitei relatórios aos mestres incumbidos de... – Shion olhou para Dohko e percebeu que ele estava distante, perdido em seus pensamentos. O ariano, então, pigarreou para chamar a atenção dele. Em seguida, continuou a falar. – Como eu ia dizendo...

Mas Dohko continuava distraído. Ele pensava em Mai, no quanto ela ficou feliz com a visita inesperada de Sophi e Kieve. Estava decidido a convidá-las mais vezes para o chá ou, talvez, para um almoço especial. Enquanto isso, Shion seguia falando:

_Solicitei a presença do Mu, mas, ao que parece, ele se ausentou de Áries sem explicações – ele falou em tom de crítica, disposto a interpelar o seu antigo pupilo no dia seguinte. – Há também problemas com o plano para a evacuação de Rodório em caso de ataques ao...

O Grande Mestre prosseguiu, mas Dohko nada ou pouco escutava. Rodório... Ele pegou a palavra no ar. Será que Mai gostaria de conhecer um vilarejo tão antigo quanto o próprio Santuário? Não seria uma má ideia, apesar da recomendação de Shion sobre sempre manter as Musas na área das Doze Casas.

_Shion – ele o chamou. – Eu poderia levar a Mai... Quero dizer, a Musa da História, até Rodório?

O antigo cavaleiro de Áries estranhou a pergunta:

_Para quê?

Dohko explicou:

_Ela esteve triste nos últimos dias, mas penso que ela irá gostar de um passeio.

_Dohko, você quer... Passear? – Shion estava surpreso. – Qual o seu problema? Nós estamos em guerra! – Foi então que o Grande Mestre percebeu o sentimento do amigo por Mai. – Você... Você sabe que não é apropriado! Algo assim não deve acontecer, não deve!

_Um simples passeio? – Dohko não compreendia a exaltação do outro. – Se você preferir, eu posso pedir ao Mu para nos acompanhar. Acredito que a Sophi gostará de ir também. E seriam dois cavaleiros de ouro para protege-las de qualquer perigo.

_Sophi? Quem é...?

_A Musa da Música – Dohko esclareceu.

_Ah, não... Será que o Mu...? – Shion não queria crer na possibilidade. – O que está havendo com vocês? – Ele perguntou enquanto massageava a testa, visivelmente preocupado e cansado. – Você fica aqui – determinou. – Nós conversaremos quando eu voltar – e saiu.

No RMS Titanic II.

Liz estava bastante empolgada. Para ela, o Titanic II era um navio dos sonhos que a levava para longe de uma Buenos Aires reivindicada pelo Caos, e nada ou ninguém poderia estragar a experiência que ela esperava viver. Ou quase, uma vez que Shaka de Virgem decidiu meditar no meio do convés.

_Sério? Você quer mesmo fazer isso aqui? – Ela perguntou. – Todos estão olhando para nós!

Sem sair do lugar, Shaka respondeu:

_De certo modo, pessoas decidiram reviver uma grande tragédia náutica. Algumas, inclusive, estão vestidas como personagens de um famoso filme sobre ela. Ainda assim, a incômoda questão para você é o local onde estou meditando?

_Touché – Catarina disse e riu.

Irritada, Liz perguntou para a irmã:

_Você não tem um "mistério" para resolver?

_Ah, eu tenho sim – a Musa da Tragédia respondeu. – Mas preciso fazer uma coisa antes.

Sob o olhar atento de Aioria, Catarina caminhou até a proa do navio e, após subir na amurada, gritou como se fosse Leonardo DiCaprio em Titanic:

_Eu sou a rainha do mundo! Uhu!

O cavaleiro de Leão não entendeu, mas outras pessoas aplaudiram a atitude de Catarina e passaram a imitá-la. Quando ela se aproximou, Aioria perguntou:

_O que foi aquilo?

_Você não viu mesmo Titanic?

_Não.

_Precisamos corrigir isso – ela disse. – Mas antes, temos um mistério para resolver. Venha comigo, Rose.

No interior do Caos.

Uma figura encurvada, com a pele ressequida e vestida de negro, aproximou-se lentamente de Nyx, a deusa da Noite. Esta, que se sentava ao lado de Érebo, o deus da Escuridão, ergueu a mão cautelosamente para evitar uma aproximação maior. Depois, ela perguntou:

_O que queres aqui, Ftono?

_Vim para informar que uma das nove Musas chegou ao Caos.

_Qual?

_Urânia. Pela ação de Nêmesis.

A deusa da Noite gostou da notícia, porém, desejava mais:

_Convoque as Erínias e se prepare para atacar – ela ordenou. – Eu quero todas as Musas.

No RMS Titanic II.

A viagem prosseguia sem problemas. Sendo assim, Liz deixou Shaka sozinho no convés para explorar o navio. Ela decidiu visitar a Primeira Classe, ainda que a sua passagem fosse para a Segunda. Queria experimentar a sofisticação daquele ambiente, confraternizar com as pessoas que o frequentavam. Também desejava ver a famosa escadaria do relógio, provar o sabor da comida e muito mais. Porém, ela foi barrada na entrada do magnífico salão.

_Creio que a senhorita está perdida – um funcionário disse ao olhá-la de cima a baixo, segurando a porta.

_Talvez não – Liz sorriu e tentou entrar novamente no local. – Eu só quero dar uma olhada.

_Não é possível – ele a tratou como um ser indesejado. – Dirija-se à área da sua Classe.

_Mas eu só quero...

Alguns passageiros, vestidos de modo luxuoso, começaram a prestar atenção no que acontecia. O funcionário tranquilizou-os dizendo que a situação estava sob controle, e eles voltaram a conversar e a rir como se a Musa da Dança fosse invisível. Ela estava prestes a retrucar, mas foi interrompida pela chegada de Catarina:

_Ora, ora, ora... Parece que algumas coisas não mudam.

Aioria olhou para Liz, pedindo calma com um gesto. O funcionário, por sua vez, dirigiu-se à Musa da Tragédia:

_Peço que a senhorita também retorne à...

_O meu nome é Catarina Castro, muito prazer – ela disparou. – Eu sou repórter e estou fazendo uma matéria sobre a viagem inaugural do Titanic II – mentiu. – E, ao que parece, os antigos preconceitos sociais seguem em voga por aqui. Você gostaria de dar alguma declaração sobre o assunto?

Liz cruzou os braços e sorriu diante do incômodo visível do homem. Ele, ainda assim, insistiu:

_Por favor, senhoritas. Eu peço gentilmente que ambas retornem à suas respectivas Classes. Infelizmente, alguns locais do navio são restritos e...

_Há botes salva-vidas para todos mesmo? Algum aviso de iceberg? Por que o Titanic II desviou consideravelmente a sua rota?

Ao ouvir a última pergunta, o funcionário ficou nervoso. Percebendo isto, Catarina atacou:

_Por que os oficiais, marinheiros e demais membros da tripulação ficam tão nervosos quando toco nesse assunto? O que vocês estão escondendo?

Catarina estava atraindo muita atenção. Por isto, Aioria resolveu contê-la:

_Vamos indo – ele disse.

_Agora? Mas eu estou apenas começando.

_Eu sei bem. Mas, assim como os outros, ele não vai falar nada.

Catarina concordou. Ela sabia que precisava de um novo plano de investigação, sendo assim, deixou a Primeira Classe na companhia de Aioria e Liz, que estava contente com o desfecho da situação:

_Você foi ótima!

_E você nem viu tudo o que posso fazer – Catarina comentou.

_Não viu mesmo – Aioria disse. – Mas por que você queria tanto entrar lá? – Ele perguntou para a Musa da Dança.

_Eu só queria... Ver e me divertir.

Liz se sentiu um pouco boba ao responder. Por sua vez, Catarina teve uma ideia:

_Vocês querem ir à uma festa de verdade? – Perguntou.

Santuário. Casa de Libra.

Shion se dirigia rapidamente até Áries, pois precisava falar com Mu. Queria excluir a possibilidade de ter outro cavaleiro apaixonado ou romanticamente envolvido com a Musa que deveria proteger. No entanto, ele se deteve ao entrar em Libra, onde Mai conversava com King, o seu boiadeiro bernês:

_Eu contei para as me-meninas sobre o pa-passeio de balão. Eu disse que o Dohko e eu não nos beijamos, mas elas a-acham que eu deveria tentar de no-no-novo. E falar com ele sobre os meus senti-timentos também. O que você acha, King?

Mai não percebeu a chegada de Shion, mas o seu cachorro foi até ele, denunciando-o.

_Grande Me-mestre... – foi o que ela conseguiu dizer.

Por sua vez, Shion se aproximou em silêncio. A sua figura exalava autoridade, e isto fez Mai se encolher.

_Musa Clio – ele a cumprimentou formalmente. – Ouvi o que você disse há pouco e penso que devemos conversar. Infelizmente, o assunto não será agradável.

Shion olhou para ela, tão pequena e aparentemente indefesa. Ele tentou escolher as melhores palavras, porém, elas não existiam. Nenhuma palavra seria capaz de evitar a tristeza e a desesperança que Mai sentiu quando ele terminou de falar.

_Espero que você compreenda – o Grande Mestre acrescentou antes de deixar a Casa de Libra.

No RMS Titanic II.

Liz se divertia muito. A música estava animada, e ela dançava derramando a cerveja barata que tinha numa das mãos. Enquanto isso, Catarina e Aioria conversavam com passageiros da Terceira Classe, os quais não se incomodavam com as perguntas que ela fazia:

_O navio apresentou algum problema antes de ir à Buenos Aires?

Um passageiro visivelmente embriagado respondeu:

_Não que eu me lembre.

Aioria não se surpreendeu com a resposta. O homem estava tão embriagado que talvez não se lembrasse do próprio nome. No entanto, um jovem também sentado à mesa falou:

_Um dia, o navio estava se movendo de modo estranho.

Catarina queria detalhes:

_Como assim?

_Tipo ziguezague, eu acho – uma mulher falou.

Catarina olhou para Aioria. Ele disse:

_Parece uma manobra de evasão.

Catarina assentiu e perguntou:

_Vocês se lembram de algo mais?

_Sim – o jovem falou. – Algo bateu no navio, mas a tripulação disse que não era grave. Dias depois, sentimos outra batida. Alguns entraram em pânico e resolveram desembarcar na Argentina quando nos avisaram que a rota mudaria para lá. Acho que lembraram do naufrágio do primeiro Titanic e ficaram com medo de ter o mesmo destino.

Catarina estava prestes a fazer novas perguntas, mas ouviu a voz embriagada de Liz:

_Você aí – a Musa da Dança apontou para Shaka, que acabara de chegar, chamando a atenção das pessoas ao seu redor. – Pensa que é o maioral, não é? O cara que medita, que busca a iluminação ou algo do tipo. Você se acha melhor do que nós, pobres mortais, não é?

_Você não é uma "pobre mortal" – Shaka a corrigiu.

_Posso não ser – ela bebeu da cerveja e pegou o cigarro de alguém próximo. – Mas sei reconhecer quando eu estou errada – ela fumou. – Sei pedir desculpas e não fico dando lição de moral nas pessoas. Por isso, você vai aprender comigo hoje, Shaka – Liz devolveu o cigarro e entregou a cerveja. – E para começar, você vai dançar.


Olá! Espero não ter exagerado nas referências a Titanic. E sim, há planos reais para um Titanic II, mas não sei em que fase eles estão.

Reviews:

Jules Heartlly: fico feliz por você ter gostado do capítulo anterior. :) A Sophi tinha uma amiga com quem dividia o apartamento. Só espero que ela não tenha demorado a voltar para cuidar do gato. XD

Arayan: desejo atendido, Nay. Espero que goste do capítulo novo. :)