Peço perdão pela demora. Nessas semanas meu tempo livre andara curto e não pude escrever em um ritmo apropriado. Porém eu terminei e agora vocês podem apreciar o último capítulo de "Guardião".


Epílogo

A noite trazia a fúria de uma tempestade para um vilarejo. Os lampejos dos raios reinavam sobre as luzes artificiais, mas era um reino modesto, pois eram poucas, apenas as que haviam nos postes.

Nenhuma janela das casas apresentava alguma iluminação, era como se tudo estivesse abandonado. Se fosse verdade, então ninguém alardearia sobre a massa de lama que surgia entre árvores da floresta que cercava o lugar.

Alimentado pela grossa chuva, além de galhos e troncos caídos, a lama ganhou volume e se ergueu. Braços e pernas, colados uns nos outros, brotaram do monte e em seu topo abriu-se um buraco circular.

A monstruosidade se aproximava cada vez mais das casas quando, de repente, um raio veio do céu e a atingiu, logo seguido de outro. Um clarão contínuo banhou o ambiente e as janelas das casas vibravam sem parar com o estrondo dos trovões.

Ela se contorceu. Seus braços e pernas de lama se desconectavam e se derretiam antes de chegar ao chão. Os troncos estouravam e uma nuvem de vapor se formou.

Os raios somente cessaram quando, do buraco do monstro, ocorreu uma erupção de água. A montanha de lama sucumbiu e aos poucos foi sendo lavada pela pesada chuva.

Não muito distante dali, sobre o telhado de uma casa, uma sombra observava tudo. Uma capa e capuz camuflavam tanto sua silhueta quanto quaisquer movimentos, se parecendo com uma lúgubre estátua.

Bem diferente da pequena criatura branca que estava ao seu lado. A chuva escorria sobre sua pelagem rala que se mantinha perfeitamente seca. Seus olhos vermelhos apenas piscavam para remover a água quando esta dificultava sua visão. [Excelente desempenho. Você derrotou a bruxa em 4.73 segundos, superando sua antiga marca em cinco décimos.]

Gin respondeu, com sua voz abafada, "Hoje a tempestade está forte." Ela saltou do telhado até onde o monte de lama estava. Entre os galhos e troncos, ela procurou pelo objeto até encontrá-lo.

Era um globo negro, onde em seu equador haviam vários anéis metálicos justapostos. Seu polegar coberto de borracha acariciou o anel que decorava a ponta no topo da semente da aflição.

A criatura logo a alcançou e caminhava sobre um tronco. [Seria melhor remover esses entulhos.]

"Sim." Gin arremessou a semente para a criatura, que prontamente abriu o orifício em suas costas para recebê-la.

Ela começou o trabalho, pegando os galhos e os arremessando para a floresta com a grande força que sua magia permitia. Ainda assim, puxar os troncos era algo que poderia levar a noite inteira.

[Gin, há mais.]

Especialmente quando o trabalho era interrompido. Novos monstros de lama vinham da floresta, ganhando tamanho.

Gin juntou as mãos e fez sua gema amarela brilhar.

Contudo, outro brilho surgiu, este no céu. As nuvens foram momentaneamente banhadas por uma luz rosa e a chuva ganhou a companhia de flechas de energia. Elas caíram sobre os monstros, os explodindo.

A mulher ficou atônita, observando a luz diminuir e então uma garota pousar onde estavam as sementes.

Ela tinha cabelos rosa, presos com laços vermelhos. Suas vestimentas também eram predominantemente rosas, com uma saia que lembrava uma grande flor. Seus sapatos vermelhos com salto, amarrados sobre longas meias brancas completavam o visual de uma bailarina de uma peça infantil.

Gin se aproximou com cautela, vendo que a garota portava um arco. Apesar de aquilo parecer mais com um galho com uma flor, o poder demonstrado anteriormente não deixava dúvidas quanto a ameaça.

A garota se virou e arregalou seus olhos cor de rosa. "Ah... Outra garota mágica..."

Gin parou e permaneceu em silêncio.

"Esse território é seu?" A garota se curvou. "Perdão. Eu vi esses monstros ameaçando a vila e não prestei atenção."

"Por que veio para cá?" Gin indagou friamente.

"Eu estava viajando, mas veio essa tempestade e eu vim procurar abrigo. Então eu senti uma presença de bruxa." A garota continuava inclinada.

"Viajando?" Gin ergueu uma sobrancelha. "A pé e sozinha?"

"Isso não é um problema para uma garota mágica." A garota sorriu levemente. "E, na verdade, eu tenho uma amiga a minha espera."

"'Amiga'..."

A garota se ergueu, afirmando, "Eu não quero criar problemas. Pode ficar com todas as sementes, elas são suas."

A mulher desviou o olhar.

Para uma direção da qual a garota sabia bem do que se tratava. "Oh... desculpe novamente," disse, enquanto fazia seu arco desaparecer.

Gin olhou de relance para ela enquanto ia coletar as sementes.

A garota mágica rosa ficou parada e de mãos juntas, aguardando, até que a mulher se aproximou dela, oferecendo uma semente.

"Obrigada por proteger esse lugar."

A garota a aceitou com um sorriso tímido.

"Depois nós conversaremos mais. Fique atenta, podem aparecer outras bruxas." Com essa deixa, Gin retornou ao seu trabalho de limpeza. Ela pegou um tronco e começou a erguê-lo. Subitamente, ele ficou mais leve.

Luvas brancas e delicadas estavam o segurando pela outra ponta.

"Eu não preciso de ajuda com isso," disse Gin.

"Mas... Mas eu não fazer nada enquanto observo você trabalhando..." A garota pediu, "por favor!"

A mulher abaixou a cabeça, uma respiração profunda escondida por debaixo do pano que cobria seu nariz. Então, ela começou a andar. "Nós temos que arremessar isso entre as árvores."

A garota acenou com a cabeça, sorrindo. "Certo!"

Com as duas trabalhando juntas, o processo de limpeza acelerou.

Enquanto carregava um feixe de galhos, a garota olhou para a semente da aflição que estava no chão molhado, no local onde ela havia deixado. "Que estranho, né? Todos esses monstros deixando a mesma semente para trás..."

"Então você percebeu," respondeu a mulher, enquanto empurrava uma grande pedra trazida pela lama. "Eu já vi outras bruxas e não é assim. Contudo, há inúmeras bruxas mundo afora, talvez isso apenas seja menos comum."

"Kyuubey deve saber de algo."

A criatura, que se mantinha distante até então, ergueu as orelhas com o súbito comentário. [Eu? Na verdade, eu nunca vi nada igual.] Ele chegou mais perto, seu olhar estático examinando a jovem garota mágica. [É algo bastante peculiar, mas é da natureza das bruxas serem assim.]

"De fato..." Gin terminava de recolher os últimos detritos.

A chuva perdeu força e logo parou.

Para alegria da garota. "Que bom..."

"Você teve sorte." A mulher veio até ela. "A tempestades por aqui normalmente são mais longas."

"Jura?" A garota segurou sua saia, pesada por estar tão molhada. "Ehhh... Eu espero que eu tenha sido útil..."

Gin observou a outra puxar um de seus pequenos rabos de cavalo, fazendo um filete de água cair dele. A pele próxima da gema da alma rosa da garota, que ficava presa a uma fita vermelha no pescoço, estava arrepiada. "Você... pode passar o resto desta noite na minha casa. Bem... tem a sua amiga..."

"Oh! Não é nada urgente." A garota olhou de relance para Kyuubey. "Eu gostaria de ficar, se isso não for um problema."

A criatura parou de mover sua cauda e pendeu a cabeça de lado.

Gin franziu a testa. "Eu estou te convidando."

"Ah... certo, wehihi..." A garota coçou a cabeça enquanto ria.

Um riso tão infantil que compeliu Gin a começar a andar, dizendo em tom sério e rápido, "Não deve aparecer mais bruxas. Siga-me e não se esqueça da sua semente."

"O-Ok." Obedecendo a ordem, ela correu para pegar o objeto e alcançar a mulher.

As duas caminhavam ao longo da rua principal, com Kyuubey na frente.

O manto e capuz de Gin brilharam em tons amarelos até desaparecerem e darem lugar para as vestes de sacerdotisa. "Sua amiga... ela é uma garota mágica também?"

"Sim!" O vestido encharcado da garota também evaporou. Ela agora vestia um moletom branco com uma estampa de gatos cor de rosa, acompanhado de uma saia amarelo pastel claro que ia até os joelhos. As meias eram brancas e curtas e suas botas continuavam vermelhas, mas eram mais simples, o mesmo podia se dizer dos laços que prendiam seu cabelo. "Só que eu não diria que ela é uma 'garota'."

"Não?"

A garota balançou cabeça, reforçando o que afirmara. "Ela deve ter a sua idade, eu acho."

"Entendo." Gin deu um leve sorriso. "Você acha que eu sou muito velha?"

"Não, apenas adulta," respondeu ela.

A sacerdotisa perguntou, "Quantos anos você tem?"

"Quinze." Os olhos da garota refletiam a luz dos postes, mas realmente parecia que eles brilhavam. "Eu fiz recentemente. Foi algo simples, mas super legal. Estava minha família e minha melhor amiga."

"Bom..." Gin acenou com a cabeça. "Guarde bem esses momentos."

"Eu irei."

Elas alcançaram as escadarias de pedra, Kyuubey já subia os primeiros degraus.

Gin voltou a falar. "Eu sei a sua idade, mas ainda não o nome."

"Hihi, é verdade." A garota levou a mão ao peito. "Eu sou Madoka Kaname."

Kyuubey imediatamente parou e se virou. [Madoka...]

"O que foi?" questionou Gin, um tanto surpresa, "você a conhece?"

[Não.] A criatura retornou a subir a escada. [Apenas pensei que eu tivesse ouvido errado.]

A mulher franziu e ficou piscando o olho.

"Kyuubey algumas vezes é estranho, não é?" Madoka comentou.

"É... bem, afinal de contas ele não é humano..." Gin começou a subir as escadas, convidando a garota. "Eu sou Gin Nakayama, desculpe por não ter dito antes."

"Não tem problema! Nakayama-san." Ela sorriu.

Elas chegaram no topo e atravessaram o portão do santuário. Atravessando o pátio, Madoka notou sons de animais e que a porta de correr da construção havia uma abertura, por onde se avistava movimentos.

Gin também notara. "Está tudo bem! Logo irá amanhecer, então esperem até lá."

A porta se fechou.

"Eu acho que eles viram você," disse Gin, enquanto caminhava por um caminho entre as árvores, "vamos, antes que eu tenha que apresentá-la. Não é hora para isso."

Madoka continuou a seguindo. "Aqueles são o pessoal do vilarejo?"

"Sim, todos estão lá dentro." A sacerdotisa admirou o seu anel. "É um lugar sagrado do qual não permitirei que bruxa alguma entre."

"Oh..."

Kyuubey chegou antes dela na frente da casa.

"Teremos tempo para descansar um pouco," Gin falou para ele.

A criatura acenou com a cabeça. [Graças a essa garota.]

"Sim..."

Madoka ficou coçando o pescoço. "Ééé... vou ficar encabulada assim..."

[Eu irei partir agora.]

"Claro, tenha uma boa noite," Gin respondeu.

Assim como Madoka, com mais alegria, "Sim! Boa noite."

Kyuubey ficou olhando para a garota por alguns momentos antes de começar a correr em direção a mata escura e desaparecer.

"Certo." Gin voltou a sua atenção para Madoka. "A minha casa é bem espaçosa, mas simples. Eu não sei com o quanto de conforto que você está acostumada."

"Ah! Eu estou tão cansada que eu dormiria aqui fora mesmo! Wehihi."

"Hah, eu não faria isso se fosse você." Gin sorriu. "Talvez você queira usar o banheiro, eu vou mostrar o caminho. Nós do vilarejo acordamos cedo, mas eu sinto que não será um problema. Você deve pretender partir logo para encontrar com sua amiga, não é? Eu irei preparar algo para comer, para que você... não..."

Madoka estava com um largo sorriso estampado em sua face serena.

"O que foi?"

"Oh... Não é nada demais, apenas..." A garota de cabelo cor de rosa pôs a mão na frente da boca e desviou o olhar. "Eu não devo dizer, é tolice minha."

Gin deu de ombros. "Apenas diga."

"É que vendo você assim, nem parece que é a garota mágica que acabei de encontrar." Madoka abaixou levemente a cabeça, olhando para ela. "Eu fiquei um pouco intimidada..."

Gin fechou os olhos e voltou a sorrir. "São as roupas, não é?" Então ela olhou para o céu. "Elas são úteis para a chuva, mas tinha que ser preto? Poderia ser verde, aqui é uma floresta."

Madoka comentou, "Ou talvez amarelo para combinar com os seus olhos."

"Isso! Amarelo seria uma boa cor." Gin suspirou. "Infelizmente, não temos controle quanto as nossas vestimentas mágicas que adquirimos."

Fazendo uma careta, Madoka cutucou seu queixo. "É..."

"Acho melhor descansarmos." Gin gesticulou em direção a entrada. "Podemos voltar a conversar quando o dia clarear."

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Sob os cantos dos pássaros, Madoka abriu os olhos e viu que a sala onde ela descansava estava muito mais clara. Ela se levantou e arrumou o edredom. Ajeitou suas roupas amassadas e pegou seus laços vermelhos antes de ir ao banheiro.

O reflexo do espelho revelava que seu cabelo estava desarrumado, apesar de ela sentir que não havia ficado muito tempo deitada. Ela os arrumou como pôde com as suas mãos antes de prendê-los com os seus laços, para depois lavar o rosto.

Mais alerta, ela ouviu o som de alguém varrendo. Ela caminhou pela casa em direção a ela até chegar na varanda.

Gin estava usando uma vassoura de palha para remover as folhas e galhos na calçada de pedra. Logo ela notou a sua observadora. "Hã... Acordou cedo."

"Eu achei que estava mais cansada. Eu não consegui realmente dormir," disse Madoka.

Gin caminhou até a varanda, onde deixou a vassoura. "Isso é normal quando está sob um teto estranho."

Madoka olhou em direção ao santuário. "E como estão os outros?"

"Eles estão retornando ao vilarejo. Todos estão bem." A sacerdotisa foi até a entrada.

"Eles sabem que você é uma garota mágica?"

"Não, mas eles acreditam no sobrenatural. Isso basta." Gin caminhou pelo corredor até onde Madoka estava. "Eu tinha deixado o arroz para cozinhar, já deve estar pronto. Vamos comer?"

Sentadas à mesa, as duas saboreavam um simples café da manhã de arroz, peixe e legumes.

Mas a visitante não estava reclamando nenhum pouco. "Incrível. Esse arroz..."

"Ele é abençoado. O orgulho de nossa vila." Usando seus palitos de madeira, Gin levava um pedaço de pepino à boca.

"Você sempre viveu aqui?" Madoka indagou.

A sacerdotisa balançou a cabeça, negando, e terminou de mastigar antes de dizer, "Mas a maior parte da minha vida, sim."

"Humm..." Madoka assentiu. "Você fez o contrato aqui então, você deve ser uma garota mágica muito experiente."

"Sim, eu sou." Gin sorriu. "Com quantas bruxas você já teve que lidar?"

"Quantas?!" A garota ergueu as sobrancelhas e fez um beicinho. "Eu não tenho idéia, já perdi a conta faz tempo."

A expressão da mulher congelou. "Sério? Já foram tantas assim?"

"Isso é um problema?"

"Não, apenas..." Gin abaixou a cabeça. "Eu acho que cometi o mesmo engano."

Madoka continuava com uma expressão confusa.

A outra murmurou, "E-Eu tive a impressão que você era mais inexperiente."

"Impressão?" Madoka sorriu. "Ah... wehihi... é por causa da minha roupa de garota mágica."

"Não."

O sorriso se desfez.

Gin procurava as palavras. "Seu comportamento... Você não parece ter preocupações ou medos, mesmo sendo uma garota mágica."

Madoka assentiu. "Entendo. Eu sei bem que as bruxas têm aparências horripilantes, mas eu já estou acostumada. Você também está, não é? Você consegue dormir e sorrir."

"Não, também não é isso." Gin olhou bem para olhos da garota.

Ela pendeu a cabeça de lado, agora curiosa.

"Eu até posso sorrir, pois vivo em um vilarejo isolado," a sacerdotisa continuou, "você se encontra com outras garotas mágicas, sabe como elas são."

"Ehhh..." Madoka ficou coçando a têmpora. "Eu não sei o que você quer dizer com isso."

"Você deve ter testemunhado coisas terríveis que elas cometeram. É isso o que acontece quando se dá o poder para pessoas imaturas e irresponsáveis. A corrupção em seus corações, antes contida apenas em suas fantasias, se alastra para tudo a sua volta!" Gin falou em um tom ainda mais sério, "é incrível que você não seja assim ou que você não tenha se abalado com essa realidade. Se tu não és realmente ingênua, então só pode ser uma exceção."

"Não sou uma exceção," Madoka respondeu firme e prontamente, "sim, eu vi garotas mágicas fazerem coisas ruins, mas há muitas, muitas, que buscam trazer milagres para o bem do mundo. Elas continuam sendo o que sempre foram: pessoas."

Gin desviou o olhar e suspirou. "Pessoas..."

"Poderia ser isso?"

Mas a pergunta da garota voltou a chamar a sua atenção.

"Talvez você não queira que outras garotas mágicas se aproximem de você, por medo do que elas possam fazer, e sua capa negra e a face escondida sejam reflexos disso."

A mulher deslizou seu dedo sobre o anel, sentindo as runas nele. "Você está exagerando em suas suposições, criança."

"É uma suposição, sim, mas não acho que seja exagerada," disse Madoka, "eu acredito que nossas vestimentas sejam nossas identidades, apesar de que nem sempre nos damos conta do que realmente somos."

Gin voltou a sorrir, mas era algo mais sarcástico do que genuíno. "Além de experiente é sábia também?"

"Wehihihiii..." Depois de um longo riso, Madoka respirou fundo e suspirou. "Eu não tenho certeza se eu sou sábia, mas acho que aprendi algumas coisas com todo esse negócio de milagre e maldições." Então pegou seu pote de arroz. "É melhor eu terminar de comer antes que esfrie."

A outra acenou com a cabeça, ainda digerindo as últimas afirmações. Ela agora estava mais certa de que a garota sabia de algo sobre a origem das bruxas, ainda mais que a aparente inocência em sua voz escondia certo amadurecimento.

Depois de terminar com o pote de arroz, Madoka voltou falar. "Se você não acredita em mim, então precisa ver com os seus próprios olhos."

"O quê...?"

"O mundo das garotas mágicas."

Gin colocou seus palitos de madeira sobre a mesa e ponderou por um momento antes de declarar, "Eu não posso. Preciso ficar aqui e proteger o vilarejo."

"As bruxas atacam esse vilarejo com tanta freqüência?" A garota ergueu as sobrancelhas. "Nesse caso eu posso chamar outras garotas mágicas para ajudar."

A sacerdotisa arregalou os olhos e balbuciou, "O-Outras garotas mágicas?"

"Sim! Eu tenho muitas amigas, elas são boas pessoas." Ela deu uma piscadela, sorridente. "Elas podem guardar o vilarejo enquanto você estivesse ausente."

A mulher cruzou os braços e estremeceu. "Eu... Eu não preciso de ajuda, essa é a minha responsabilidade."

O sorriso de Madoka diminuiu.

Gin se levantou. "É melhor você ir."

Madoka fechou os olhos e assentiu. "Sim..." Ela então se levantou. "Obrigada pela comida. Se você mudar de idéia..."

Gin olhava intensamente para ela.

"Bem... Eu posso voltar a visitar seu vilarejo? Talvez de dia, em uma hora melhor..."

A sacerdotisa respondeu, "Tudo bem. Apenas não traga um grupo de garotas mágicas."

"Ok!" Madoka apontou para a mesa. "Posso ajudá-la com isso?"

A mulher balançou a cabeça. "Não, eu limpo ela. Vá se preparar para partir."

"Certo."

Depois de ir ao banheiro, Madoka voltou a sala e viu que tudo já estava arrumado.

Gin aguardava por ela, com as mãos unidas. "Não se esqueceu de nada?"

A garota colocou a mão em um dos bolsos de seu moletom e dele retirou uma semente da aflição. "Não."

"Bom, me acompanhe."

As duas saíram da casa. O dia era quente, com um céu de poucas nuvens. A luz acentuava as cores da vegetação.

Era um belo dia, mas Madoka sentia falta de algo. "Eu não vi Kyuubey."

"Verdade, eu não o vi também," disse Gin, "mas eu acho que é cedo ainda, nós fomos dormir tarde."

"Uhum..."

Elas caminharam pela calçada de pedra até o santuário, onde uma senhora de idade cuidava do grande jardim.

Ao avistar as duas, Nariko parou o que estava fazendo com um ar de surpresa.

"Bom dia!" Madoka acenou.

"Bom dia..." Nariko se aproximou lentamente, olhando para Gin. "Então é verdade. Algumas pessoas disseram que tinham visto alguém acompanhando você durante a noite. Eu não tinha acreditado, mas..."

"Ela apareceu no vilarejo perto do fim da tempestade," falou Gin, "eu ofereci a minha casa como abrigo."

"Hmmm..." Depois de acenar com a cabeça, Nariko sorriu para a garota. "Qual o seu nome, meu anjo?"

"Madoka Kaname." A garota se curvou.

A senhora assentiu novamente. "Eu sou Nariko Terada, mas todos por aqui me chamam por Nariko."

"Ah! Pode me chamar de Madoka."

"Madoka-san? Certo," disse Nariko. "Gin lhe tratou bem?"

Madoka ficou um pouco surpresa com a pergunta. "Sim, claro!"

"Que bom! Sabe, ela pode ter ficado de mau humor, especialmente quando as coisas saem da rotina, mas ela é pessoa de bom coração."

A sacerdotisa revirou olhos diante do comentário.

"Oh... Eu sei que ela tem." Madoka abriu um grande sorriso. "Você conhece ela faz muito tempo?"

"Ah sim!" Nariko gesticulou com a mão na altura da sua cintura. "Desde que ela era desse tamanho."

Gin disse para garota, "Se começar a ficar ouvindo as histórias dela, você só irá embora no próximo ano."

"Gin! Não seja chata." Nariko voltou a falar com Madoka. "Viu? Era disso que eu estava falando."

"É que você está me tratando como uma criança," afirmou a sacerdotisa.

"Como se você não gostasse."

"Wehihi."

A expressão sorridente da senhora de idade deu lugar para algo mais sério. "E você já pretende partir... Então me diga minha jovem, por que você chegou sozinha no vilarejo em tal hora?"

A luz do dia esmaeceu, com o sol sendo coberto por uma nuvem.

A mudança súbita de assunto, para aquele assunto, pegou Madoka de surpresa. "Ah... bem... eu..."

"Ela ia visitar uma amiga e estava viajando de ônibus," falou Gin, "Ela se enganou e desceu dele no lugar errado. Ela tentou continuar a pé, mas veio essa tempestade. Foi sorte que ela encontrou o nosso vilarejo."

"Sim," Madoka concordou. [Não precisava disso, eu tinha pensado em algo, mas obrigada.]

[Só tome cuidado com o que vai dizer.] Gin continuou, "Eu torci bem as roupas dela para que secassem rápido. Bom que teve sol."

"Ela não tinha outras roupas?" Nariko ficou confusa. "Você desceu do ônibus sem as suas coisas? O-Ou as abandonou na estrada?"

"Hããã?! Nada disso." Madoka ficou gesticulando. "Eu visito essa amiga com freqüência. Eu tenho algumas coisas minha lá. Hehe..."

"Ela conseguiu contatar a amiga, que está vindo buscá-la. Por isso que ela está indo embora cedo." A sacerdotisa se encontrou com os olhos da garota e as duas sorriram levemente.

Nariko passou a mão no pescoço, pensativa. "Isso não me parece certo, alguém tão jovem viajando sozinha. Você não está tentando fugir de casa, não é?"

"Não!" Madoka balançou a cabeça. "Eu amo minha família, eu tenho a autorização deles."

"Os tempos são outros, Nariko," Gin comentou.

O sol reapareceu e parecia brilhar mais para compensar a sua ausência.

"Você fala como se eu nunca tive a idade de vocês." Nariko ficou olhando para pele enrugada e manchada de suas mãos. "Não importa se é ontem ou hoje, nessa época nós temos umas idéias bobas."

"Não há nada de bobo aqui." Gin se virou para Madoka. "Vamos indo, eu te acompanho até a ponte."

"Ah! Não precisa." A garota começou a andar de costas até a escadaria.

"Tem certeza?" Nariko ficou ainda mais preocupada.

"Eu não quero incomodar mais," disse a garota. "Eu devo encontrar com a minha amiga no caminho."

"Mas se não encontrá-la, não hesite em voltar para cá." Gin sorriu.

"Claro!" Madoka acenou. "Nakayama-san. Nariko-san. Tchau e obrigada por tudo!"

Nariko respondeu com o mesmo gesto. "Tchau Madoka-san, se cuide."

"Isso não foi nada." A sacerdotisa inclinou-se. "Tchau e boa viagem."

A garota trocou olhares uma última vez com as duas antes de descer as escadas e caminhar pelo vilarejo. As pessoas já estavam em seus afazeres, com algum ou outro se distraindo com a presença dela.

Ela pegou a rua que saía do vilarejo e logo o chão de pedra passou a ser de terra, com poças de lama que lentamente secavam ao sol. Seria uma longa caminhada, com os sons de suas passadas sendo acompanhados pelos os da floresta nas laterais.

Até que um som contínuo e distinguível foi ficando mais alto.

Madoka chegou até a ponte de madeira sobre o tranqüilo córrego. Ela parou e olhou para trás.

Uma leve brisa derrubou algumas folhas, que caíam na estrada deserta.

"Você pode parar de me seguir," disse a garota de cabelos rosa, "ninguém está olhando."

O galho de uma árvore balançou e uma criatura branca de longa cauda pousou no meio da estrada.

"Você sabia o meu nome." Madoka sorriu. "Você deve se lembrar."

[Sim.] Kyuubey confirmou. [Você é a líder daquelas duas garotas.]

"Líder?" Ela franziu a testa. "Eu acho que você está enganado."

[Possivelmente, mas tenho plena certeza que você é responsável por minha mestra estar acordada novamente.]

Ela fechou os olhos e sorriu. "Sim."

[Você deve ser da mesma natureza daquelas duas.] Os olhos vermelhos da criatura buscavam respostas. [Você não é uma garota mágica. Você seria uma bruxa? Isso não faz sentido algum.]

"Eu sou alguém que sabe o que você e ela são," respondeu Madoka, "mas você sabe me dizer como?"

[Eu não tenho uma informação precisa, já que nasci a partir do desejo dela.] Kyuubey se espreguiçou, empinando a cauda. [Eu só posso confiar em minha hipótese. Minha mestra, Gin Nakayama, se tornou uma garota mágica para derrotar uma bruxa.]

"E ela não conseguiu?"

Kyuubey balançou a cabeça. [Ela conseguiu, mas durante a luta a barragem se rompeu e o vilarejo foi inundado.]

Madoka olhou para onde a estrada fazia uma curva. "O vilarejo..."

[Pelo o que eu sei, Gin se preparou por anos para esse momento. Ela jamais aceitaria isso, a culpa a consumiu.]

"E se tornou uma bruxa."

A criatura abaixou suas orelhas com o complemento da garota. [Aqui reside um dilema. Minha mestra desejou, como garota mágica, que ela jamais fosse derrotada. Se considerarmos que isso se aplique a maldição dela...]

"Ela..." Madoka, estupefata, demorou a dizer, "negou a sua própria maldição?"

[A transformou. Esse é o meu palpite.] Kyuubey olhou para o céu. [O poder do desejo dela reconstruiu essa barreira para manter sua essência longe da verdade. Ela não pode contra ele.]

"Está errado," respondeu ela, levando a mão ao peito, "É possível, eu sei que é."

[Para você, talvez. Gin não tem essa força.]

"Ela é como nós."

Kyuubey voltou a olhar para garota.

"Eu a tornei assim, com essas mãos." Madoka sorriu. "Um dia Nakayama-san poderá querer saber, querer sair do vilarejo."

[Eu amo a minha mestra.] A criatura colocou uma pata à frente, sua cauda parada, seus pêlos se arrepiando. [Eu protegerei ela para que isso jamais aconteça.]

Madoka pegou a semente de seu bolso e olhou para o objeto. Então o lançou para a criatura.

Kyuubey abriu o buraco em suas costas e o recebeu.

Sem dizer mais nenhuma palavra, a garota se virou e começou atravessar a ponte. O som oco da madeira se ouvia a cada passo e a brisa balançava suas curtas madeixas.

A estrada no outro lado da ponte refletia a luz do dia com cada vez mais força quanto mais ela se aproximava. Até que chegou ao ponto de ser cegante.

A brisa passou a ser um vento, que puxou seus cabelos e eles ganhavam comprimento. Seu corpo e roupas se tornaram um amalgama negro.

A luz a envolveu e ganhou substância, se tornando em vestimentas divinas de cores claras. Sua pele retornou as cores anteriores, mas seus olhos se abriram cintilando em ouro.

O mundo a sua volta era outro. Um branco infinito ocupado por cadeiras flutuantes.

"Como ela está?"

Madoka se virou e viu uma mulher portando um cajado com um grande anel em sua ponta. Seus cabelos lilás balançavam como se tivesse vida própria e seu olhar de azul vívido era de pura ansiedade.

"Izumi-san," falou Madoka, "ela está bem. Se não fosse por ti e de minhas amigas que a trouxeram, eu jamais saberia da existência dela. Eu não tinha idéia de que isso podia acontecer, mas eu agora sei o porquê."

Izumi abaixou a cabeça e exalou. "Eu... Eu posso visitá-la?"

"Eu temo que não."

A mulher pressionou os lábios. "Ela me odeia..."

"Ela não mencionou você em nenhum momento." Madoka olhou para um ponto no infinito. "Ela apenas não está pronta para a verdade. Ela não deve se lembrar de tudo. No momento, ela está vivendo como uma garota mágica e sacerdotisa."

"Sacerdotisa...?!" Izumi ficou boquiaberta e deixou-se cair, apoiando-se em seu cajado.

Deixando Madoka preocupada. "Izumi-san?"

"Por ela não estar aqui, eu achei que tinha conseguido impedir ela de se tornar uma garota mágica... COMO FUI IDIOTA!" A mulher começou a chorar. "Eu a condenei..."

Lágrimas de lama macularam a brancura do lugar.

"Izumi-san!"

Atrás da mulher, nuvens de miasma se levantaram com pálidos homens vestindo túnicas brancas em seu interior.

Madoka fez um gesto para que os demônios nada fizessem e ela se aproximou de Izumi. Ela se agachou e ergueu o rosto da mulher, coberto de lama. "Não diga isso. Ela não te odeia."

"Como pode ter tanta certeza?"

"Você também era uma garota mágica e sacerdotisa, o que ela se tornou não é por acaso. Você salvou a vida dela, não foi?" Madoka a abraçou, manchando seu vestido de lama. "A barreira dela tem muito amor e graça, como poucas têm. Ela está segura aqui e um dia vocês poderão se encontrar. Acredite!"

Izumi deixou o cajado e se apoiou nela, depositando toda a sua mágoa e culpa sobre o tecido puro.

Nesse momento, os olhos de Madoka refletiam o destino e o destino refletia Madoka, com todos os precedentes que se abriam.

Pois a sua obra havia muitos tijolos. Inúmeros como as cadeiras que as circundavam.

Boiando em um milagroso oceano de maldições.


Fazendo dois anos que o primeiro capítulo de "Desconexão" fora publicado, terminei a quarta fanfic dessa série. O que virá a seguir será algumas oneshots, antes da próxima obra mais extensa. O nome da primeira oneshot é "Eidos" e é protagonizada pela bruxa das cores.

Talvez algum leitores estejam indagando se eu pretendo ter um fim mais definitivo. Eu digo que sim! Eu espero estar vivo até lá hahaha!